TEATRO: “Elogio da Loucura”,
de Erasmo de Roterdão
Encenação e espaço cénico | Hélder Mateus da Costa, Maria do Céu Guerra
Música original | António Vitorino de Almeida
Desenho de luz | Vasco Letria
Guarda-roupa | Elza Ferreira
Interpretação | Maria do Céu guerra, Adérito Lopes, Sérgio Moras, João Teixeira, Matilde Cancelliere, Mia Henriques, Teresa Mello Sampayo, Vasco Lello, João Maria Pinto, Samuel Moura, João Teixeira
Produção | Inês Costa
100 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Cinearte - A Barraca, Lisboa
12 Nov 2021 | sex | 19:30
“Ninguém consegue dizer o que é a Loucura. Nem os médicos. Nem os Santos.
Mas os pecados não são loucura, são pecados, Mestre Erasmo.
Comer como um abade até rebentar, fornicar como um bispo até morrer, esconder o dinheiro até o perder, a inveja, a ira, a soberba, nada disso é loucura. Ganhar a vida a louvar a santa igreja ou a invocar a lei e fazer tudo o que elas proíbem, é Loucura?
Quantos loucos estarão no inferno? Nem um. E quantos papas? Tantos. E quantos juízes? Tantos…Quantos? E quantos ricos e quantos reis… Todos.”
Quase a descer o pano sobre a série de representações de “Elogio da Loucura”, a Companhia de Teatro A Barraca voltou com entusiasmo a Erasmo de Roterdão, ao final da tarde de ontem e perante casa cheia. Publicado pela primeira vez em 1511, “Elogio da Loucura” é considerado, na história do pensamento europeu, uma das obras mais influentes da civilização ocidental e um estímulo para a reforma protestante ocorrida na Europa, no século XVI, um movimento iniciado pelo monge cristão alemão Martinho Lutero. “Erasmo, um construtor da Europa”, escreve Hélder Mateus Costa na apresentação do espectáculo a propósito do teólogo e filósofo cristão humanista (1466-1536) que “sabia ver as falhas que existiam na opressão da igreja católica e o seu mundo de corrupção de que foi um ponto alto e inconcebível a invenção das indulgências”. “Talvez fosse tempo de começarmos a pensar num Neo-Renascimento”, sustenta Hélder Mateus Costa, recordando ainda ter sido ao autor de “Utopia”, Thomas More, que Erasmo dedicou este “Elogio da Loucura”.
Na peça de A Barraca, Erasmo de Roterdão, Thomas More e a Loucura começam por se passear em palco, discorrendo sobre “a causa das coisas” e invocando razão e coração. Nas suas conversas e deambulações vão se cruzando com personagens improváveis, umas mais do que as outras, indo de D. João III e Henrique VIII a D. Afonso Henriques e Damião de Góis e passando por Lucrécia Bórgia e a sua Corte de Ferrara. Em palco, imiscuindo-se na trama e enriquecendo-a, desfilam o teatro vicentino em “Todo o Mundo e Ninguém”, a música libertária da “Bella Ciao” ou de “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, o “Programa Erasmus” e o entusiasmo das novas gerações. Passado e presente unidos pelo pensamento filosófico e pelo activismo social e político, resultando com inusitada frequência em perseguições e na morte daqueles que sempre se recusaram a não pensar pelas suas próprias cabeças e a aceitar, sem questionar, a ordem vigente. Ontem como hoje.
Profundamente humanista, a peça tem o mérito de alertar para os muros que se levantam à volta das nossas consciências, procurando controlá-las e domesticá-las a qualquer preço. Mais do que exaltar a figura dos idealistas e utópicos, “O Elogio da Loucura” obriga o espectador a reflectir no quanto de lucidez há naquilo que é considerado loucura e a posicionar-se face ao mundo. Neste particular aspecto, o trabalho de encenação merece nota elevada. Querer tocar muitas cordas ao mesmo tempo, porém, leva a que a peça se ressinta em termos de ritmo e se torne confusa, confusão acentuada pela falta de fluidez no discurso, por muitas hesitações, sugerindo haver uma grande dose de improviso naquilo que foi sendo realmente dito. Há soluções cénicas muito bem conseguidas - a “barca dos malditos”, o tema cantado de José Mário Branco -, mas há outras perfeitamente dispensáveis, nomeadamente toda a acção na corte de Ferrara e parte do “teatro das indulgências”. Maria do Céu Guerra e a sua “Loucura”, essas, continuam imparáveis.
[Foto: A Barraca Teatro | facebook.com/abarracateatro/]
Sem comentários:
Enviar um comentário