Páginas

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

CINEMA: "Titane"



CINEMA: “Titane”
Realização | Julia Ducournau
Argumento | Julia Ducournau
Fotografia | Ruben Impens
Montagem | Jean-Christophe Bouzy
Interpretação | Vincent Lindon, Agathe Rouselle, Garance Marillier, Laïs Salameh, Mara Cisse, Marin Judas, Diong-Kebá Tacu, Myriem Akheddiou, Bertrand Bonello, Céline Carrère, Adèle Guigue, Thibault Cathalifaud, Dominique Frot, Lamine Sisskho, Florence Janas, Fréderic Jardin
Produção | Jean-Christophe Reymond
França | 2021 | Drama, Terror, Ficção Científica | 108 Minutos | Maiores de 16 anos
Cinema Vida
15 Nov 2021 | seg | 16:00 


A Palma de Ouro do último Festival de Cannes será, porventura, a melhor carta de apresentação de “Titane”, o mais recente trabalho da jovem diretora e argumentista francesa Julia Ducournau. Com Palma ou sem ela, a verdade é que o filme se mostra como uma obra maior do cinema mais recente, abordando com sensibilidade e candura alguns dos maiores males com os quais a Humanidade se confronta. Alimentando-se do próprio cinema - as “piscadelas de olho” a Cronenberg, Fellini, Waters ou Carpenter são evidentes - “Titane” mergulha na identidade humana e na necessidade imperiosa de ser-se parte do processo de existir, resultando num filme com tanto de aliciante como de perturbador. Alexia, interpretada por Agathe Rousselle, é uma jovem que desenvolveu uma ligação particular com um automóvel a partir de uma grande intervenção cerebral, devido a um grave acidente na infância, e é hoje procurada por uma série de crimes. Encontrará abrigo em Vincent (Vincent Lindon), um pai que perdeu o filho há dez anos e que “adopta” Alexia, com quem desenvolve uma relação incondicional de amor filial.

Julia Ducournau propõe-nos uma personagem psicologicamente muito complexa, uma mulher despojada de quaisquer sentimentos, sem qualquer grau de empatia com o outro e que se torna numa assassina em série. Perante uma sociedade à qual se mostra indiferente, Alexia é o produto de uma placa de titânio dentro do seu crânio, a qual funciona como uma espécie de controlador neurológico, uma peça inerte que, aparentemente, a priva de humanidade. Por outro lado, Vincent, um bombeiro hipertrofiado um pouco mais velho e viciado em anabolizantes, vive com a mágoa de ter perdido o filho. As duas personagens vivem na escuridão, na raiva e na agressividade, numa dinâmica de doentia autodestruição, mas o encontro fortuito entre ambas irá confrontá-las com fragilidades inesperadas.

A componente fantástica de “Titane” é bem evidente no cinema de Ducournau. O facto de Alexia / Adrien sangrar óleo, como parte de um processo biológico de metalização, é uma metáfora fortíssima da desumanização. A realizadora não aspira ao realismo material, mas sim à desconstrução de personagens que convivem com a violência por meio da sexualidade desatada e do machismo presente ao longo do filme; por outro lado, o filme encerra uma poderosíssima mensagem sobre a identidade de género e os diferentes processos de adaptação, uma vez que alimentam, nas duas personagens principais, estados de comunicação e confiança pouco vivenciados, colocando-nos como observadores de padrões e comportamentos que dificilmente podemos julgar de “per si”. Desconcertante e provocador, “Titane” faz a apologia existencialista da natureza humana, da liberdade e da transformação, levando-nos a reconhecer nele uma das mais notáveis obras cinematográficas dos últimos vinte anos.

Sem comentários:

Enviar um comentário