LIVRO: “A Arte do Nada. O Lastimoso Destino dos Besugos”,
de Sérgio Almeida
Ilustrações | Inês Viegas
Ed. Seda Publicações, Maio de 2021
“Não pensem que os besugos, lá por serem incapazes de encontrar o caminho de casa sem um mapa ou por só conseguirem atar as botas com a ajuda dos filhos mais novos, se recusavam a usar a cabeça. Aliás, se há povos que não dispensavam o uso da cabeça para nenhuma actividade, os besugos eram certamente um deles.
Por um motivo muito simples: na Besugolândia, tudo se resolvia na base da cabeçada.”
Um rádio a puxar decibéis e a debitar Dino Meira às sete da manhã de um domingo. Um homem que urina contra a roda traseira do carro na berma da N2. Duas cinquentonas celulíticas de perna aberta numa esplanada da Praia do Ourigo. Uma boa cuspidela para o chão que quase vem banhar-nos os sapatos. Uma loira ao telemóvel na 1ª classe do Alfa empenhada em que toda a gente ouça a conversa. Um camionista que atira pela janela, em plena autoestrada, o Special King Burger e meia dose de batatas fritas. O culturista do 2º esquerdo que passeia os dois mastins sem trela nem açaime antes do jantar. Bem que podia estar aqui o resto do dia a narrar o inenarrável que, no final, a questão seria sempre a mesma: Haverá alguém que não tenha os seus broncos, grossos, achavascados, labregos, boçais, otários, quadrados, abéculas, trambolhos ou imbecis de estimação?
Sérgio Almeida chama-lhes “besugos”. Não explica porquê, mas também não é preciso. Depressa percebemos quem são e ao que vêm. Broncos, grossos, achavascados e todos os demais adjectivos referidos acima (para além de todos os outros não referidos), são habitantes desse particular território que dá pelo nome de Besugolândia e que, para mal dos nossos pecados, confina com o nosso próprio território. Imbatíveis no branquear, denegrir, insinuar, caluniar, manipular, omitir e deturpar, regem-se pela máxima de que “um indivíduo de confiança é alguém em quem, evidentemente, não se pode confiar.” Dados a excessos etílicos, alérgicos à cultura e à educação e verdadeiros mestres na arte de não fazer nenhum, os besugos são bruscos no trato, têm horror ao silêncio, deitam lixo para o chão, fazem questão de atravessar fora da passadeira e divertem-se a vandalizar sinais de trânsito. Fogem da água como o diabo da cruz, cultivam a unhaca do dedo mindinho, transformam o arroto em cumprimento universal e gostam de se passear em pêlo pela casa enquanto coçam as partes baixas. Ah pois é: Besugos!
Que bem compreendo Sérgio Almeida nesta sua descrição dos que nada fazem e tudo exigem. Dividindo em três partes este seu objecto satírico que é “A Arte do Nada. O Lastimoso Destino dos Besugos”, o autor oferece-nos um conjunto de hilariantes apontamentos do quotidiano desta fauna, complementando-os com uma galeria de “besugos” famosos e, ainda, um útil “Dicionário Prático do Besuguês”, através do qual podemos ver que “missa”, “família”, “colo”, “intelectual” e “palito” são palavras que estão longe de corresponder aquilo que seria suposto. Ao mesmo tempo, denuncia um conjunto de comportamentos que continuam a fazer escola e estão na base dos males maiores da nossa sociedade, do comodismo ao chico-espertismo, do seguidismo à impreparação, do desinteresse ao populismo. Talvez “A Arte do Nada” não acerte na mouche, de tão grosso o traço, de tão generalizada a caricatura. As qualidades e capacidades do besugo são levadas tão ao extremo que a sua credibilidade se reduz irremediavelmente. Mas se soubermos desmanchar o todo e atentar nas partes, pelo menos nalgumas delas, vamos perceber que “eles andem aí”.
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