LIVRO: “José”,
de Rubem Fonseca
Ed. Sextante Editora, Outubro de 2012
“Então, sempre que podia, José escrevia na máquina. Escrevia contos, que ia arquivando em uma pasta de papelão cinzento. Trabalhava em suas histórias sempre que tinha algum tempo disponível. Ele lembrava-se de que sempre gostara de escrever à máquina, na verdade escrevia muito mal à mão. José sempre se perguntava: o que era preciso para que uma pessoa se tornasse um escritor? Ele tinha algumas certezas. A primeira, óbvia: era necessário gostar de ler, aprende-se a escrever lendo. O único escritor analfabeto tinha sido Catarina de Siena, que viveu no século XIV em Roma. Mas ela era uma santa e isso podia ser considerado um milagre.”
Citando Proust, Rubem Fonseca – o próprio José que empresta o nome ao título do livro – adverte que “a lembrança das coisas passadas não é necessariamente a lembrança das coisas como elas foram.” Esta ressalva revela-se importante no momento de relativizar muitos dos factos narrados, mostrando o quão estreita pode ser a linha que separa a realidade da ficção. Entre a mineira e tranquila Juíz de Fora, cidade onde nasceu a 25 de Maio de 1925, e o fascinante e sedutor Rio de Janeiro, a “cidade maravilhosa” que o acolheu aos 8 anos de idade, vagueia José nas suas lembranças. Nelas se percebe um olhar atento e repleto de fantasia, ao qual não será alheio o apego precoce às letras, bebendo as suas influências, primeiro, em autores como Edgar Allen Poe, Emilio Salgari, Ponson du Terrail ou Julio Verne, para depois se centrar nos clássicos (Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare, Cervantes) e nos primeiros modernos (Dostoieviski, Maupassant, Proust).
Desperto para o mundo em volta, sentidos sempre alerta e uma enorme vontade de aprender e experimentar, de viver, o autor dá-nos a ver a sociedade brasileira, em particular a carioca, tal como ela era nas décadas de 30 e 40 do século passado. Precocemente sensível aos encantos femininos, José guia-nos pelos interiores ricamente decorados da confeitaria Cavé, “que parecia ser frequentada apenas por mulheres bonitas”, pelas praças repletas “de mulheres lindas fantasiadas de odaliscas, colombinas, tirolesas, índias, ciganas que pareciam ter vindo de outro mundo” por alturas do Carnaval ou pelas ruas de que não se fala e onde negras senegalescas, caboclas franzinas ou croatas obesas esperam os fregueses. Mas isto não são senão episódios avulso numa sociedade polarizada onde o glamour e a miséria constituem faces duma mesma moeda. O melhor será o leitor descobrir por si.
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