TEATRO: “talvez... Monsanto”
Encenação | Ricardo Pais
Música | Música Tradicional Portuguesa
Poemas | Ruy Belo
Direcção musical | Miguel Amaral
Cenografia | João Mendes Ribeiro
Figurinos | Bernardo Monteiro
Interpretação | Miguel Amaral, Miguel Xavier, Rui Silva, André Teixeira, Filipe Teixeira, Luísa Cruz, Simão do Vale Africano, Manana, Deeogo Oliveira e as Adufeiras de Monsanto: Amélia Mendonça, Laura Pedro, Adosinda Xavier e Inês França
Produção | Subcutâneo – Associação Cultural, Câmara Municipal de Viseu, Teatro Nacional São João
80 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Nacional de São João
05 Dez 2020 | sab | 11:00
“(...) Envelheci eu sei e só ganhei
o que perdi. Sou de uma adulta idade
E entretanto tudo a noite rodeou e o jogo acabou
e pelo céu do tempo houve um homem que passou
ou uma certa malha arremessada por acaso à vida
e viva na precária trajectória antes de caída”
Depois vem a música, a carne do espectáculo. Toma conta dele do princípio ao fim, ora dolente, num lamento, dolorida, ora jubilosa, frenética, numa celebração à vida. É através dela que a palavra se levanta, imensa, pujante, como um grito ou uma liturgia. Sai vibrátil das gargantas dos cantores, é compasso no tamborilar dos dedos no adufe, faz-se melodia nas cordas das guitarras ou do contrabaixo, é ritmo no rufar de pratos e tons, bumbos, surdos, caixas e chimbales. Ergue-se da tradição e toma os caminhos do fado. Atravessa o mar para tornar-se em morna ou samba ou massemba ou kazukuta ou cansaun. Impante, soberba, vitoriosa, regressa para logo se render aos pés da Senhora do Almortão, reduzida àquilo que é, música apenas, espalhada em dobre de sinos pelas aldeias da Beira Baixa, Ti Chitas num murmúrio tão alto e tão forte.
Portugal, finalmente. A alma que o habita e que é este povo, um povo que ainda canta. Que aqui se mostra por inteiro, num pequeno círculo que se faz e desfaz, porque as vidas também se fazem e desfazem. É isso que marca “talvez... Monsanto”, essa capacidade de fazer o espectador sair do lugar, ainda que figuradamente, e saltar para o meio da roda, o largo onde renascem todas as infâncias, “a suspeita de que passou o tempo que nunca passou” cada vez mais presente. Somos chão e pedra, de granito feitos, como Torga. Amarrados na saudade, como Lourenço. Simples e transparentes, como Agostinho da Silva. E depois ouvimos a palavra, “como se aqui ninguém houvesse envelhecido / nem sofrido ou morrido ou suportado / toda a imensa fome requerida para produzir um rico”. E depois ouvimos a música, as guitarras plangentes, os adufes que batem como bate um coração. E depois sentimos a alma e sabemos que somos daqui, deste país que não temos como não amar. E então erguemos os olhos aos céus, palco infinito onde cabem todos os sonhos e ilusões, e nele percebemos uma pequenina luz bruxuleante que concentra o primado da criação. Talvez... Monsanto!
[Foto: TNSJ / tnsj.pt]
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