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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

EXPOSIÇÃO: "Pêros, Avelãs e Figos. Os Vegetarianos Utópicos de há 100 Anos"


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EXPOSIÇÃO: “Pêros, Avelãs e Figos. Os Vegetarianos Utópicos de há 100 Anos”
Museu Escolar Oliveira Lopes, Válega
17 Nov 2020 > 20 Mar 2021


“É um caso de amnésia coletiva que queremos aqui recuperar: um país cuja identidade cultural se afirma pelas mil maneiras de cozinhar bacalhau, pelo peixe fresco da costa, pelas papas de sarrabulho e pela carne de porco à alentejana, e que recalca a memória de um período da sua história em que um número considerável de indivíduos optou por adotar a dieta vegetariana.”
Fátima Vieira, Joana Caetano, José Eduardo Reis, Maria Manuel Quintela, investigadores do projecto Alimentopia que trabalharam em “O Vegetariano”

É no espaço do pequeno auditório do Museu Escolar Oliveira Lopes, em Válega, que podemos apreciar a exposição “Pêros, Avelãs e Figos: Os Vegetarianos Utópicos de há 100 Anos”. Este é um trabalho de uma equipa multidisciplinar de investigadores do projecto “Alimentopia” que se debruçaram, em particular, sobre o periódico “O Vegetariano”, “órgão oficial” da Sociedade Vegetariana de Portugal e do Núcleo Vegetariano de Lisboa, mas também de várias associações vegetarianas do Brasil, através do qual propõe algumas respostas ao facto de o vegetarianismo ter tido tantos adeptos há cem anos, e por que razão não temos hoje memória dos nossos antepassados vegetarianos.

Fundado no Porto em 1909 por um grupo de naturistas, “O Vegetariano” assumiu-se como plataforma de encontro da comunidade vegetarista portuguesa das primeiras décadas do século XX. A publicação visava a divulgação e promoção do regime dietético, bem como da sua filosofia e modo de vida, aspirando a contribuir para uma transformação utópica da sociedade. Começou como “Mensário Naturista Ilustrado”, mas nos seus últimos anos de vida, “O Vegetariano” estava irreconhecível, apresentando-se como um “Jornal de Higiene, Terapêutica Natural, Horticultura, Pomicultura, Floricultura, Educação e Turismo”. Visado pela censura desde 1928, “O Vegetariano” viu todo o potencial transformador da sociedade que preconizava ser abafado pela doutrina glorificadora da nação imposta pelo Estado Novo e isso, a par da morte do seu proprietário, o Professor Manuel Teixeira Leal, acabou por ditar o seu desaparecimento, em 1935.

Vincando algumas das descrições mais significativas de “O Vegetariano”, os cinco painéis que constituem a mostra revelam uma verdadeira rede de apoio à comunidade vegetariana, dos anúncios de produtos e serviços de alojamento e alimentação adequados à vida naturista, dentro e fora do país, à prestação de cuidados médicos, incluindo consultas por correspondência. Artigos científicos, conselhos práticos e descrições de casos de cura de doentes desenganados pela medicina tradicional são uma constante da publicação, que fala igualmente dos métodos de cura natural. Os anúncios não poderiam ser mais elucidativos: No nº. 80 da Rua Nova do Almada, em Lisboa, tratavam-se “todas as doenças, pela Fisioterapia, Dietética, Hidroterapia e Psicoterapia”, enquanto o Hotel Vegetariano, no nº 26 da Rua dos Caldeireiros, no Porto, propunha “regimens dietéticos segundo as fórmulas dos Drs. Labbé, Huchard, Hayg, Kuhne e Collière (Lácteo, Farinácio e Leguminoso)”, reforçando que “a cosinha é dirigida pela esposa do proprietário”.

O nome de Julieta Ribeiro é outro dos destaques da mostra, ela que em 1914 se casou com Jerónimo Caetano Ribeiro, evento que “O Vegetariano” descreveu como o primeiro casamento do mundo entre frugívoros, sem quaisquer “despojos cadavéricos”. Em 1916, Julieta Ribeiro publicou “Culinária Vegetariana, Vegetalina e Menus Frugívoros”, obra entusiasticamente recebida pela comunidade vegetariana (viria a ter quatro edições) e que apresentava mais de mil e duzentas receitas adequadas a cada um dos doze meses do ano, tendo em conta os alimentos disponíveis em cada estação. Nela, a autora sugeria, inclusivamente, receitas para quem quisesse fazer a transição da dieta vegetariana para a vegetalista (ingestão apenas de vegetais e fruta, conhecida atualmente como veganismo) tendo como finalidade a adoção de uma dieta frugívora ou frutívora (ingestão de frutos crus). São estas e outras curiosidades que o visitante poderá encontrar, ao mesmo tempo que folheia as cópias de vários números de “O Vegetariano”, numa exposição que se prolonga até dia 20 de Março de 2021.

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