CINEMA: “Quatro Contos”
Realização | Gabriel Abrantes
Argumento | Gabriel Abrantes (com David Phelps em “Freud Und Friends”)
Fotografia | Jorge Quintela (e Kanamé Onoyama em “As Extraordinárias Desventuras...”)
Montagem | Margarida Lucas
Interpretação | Gabriel Abrantes, Carloto Cotta, Francisco Cipriano, Joana Barrios, Margarida Lucas, Gilda Nomacce, Liza Lapert, Virgil Vernier, Vimala Pons
Produção | Gabriel Abrantes (com Justin Taurand em “As Extraordinárias Desventuras...”)
Portugal | 2015 – 2018 | Comédia, Animação | 77 minutos | Maiores de 12 anos
Cinema Vida
12 Nov 2020 | qui | 18:15
O que mais se destaca nesta sequência de “quatro contos”, quatro curtas-metragens de Gabriel Abrantes produzidas entre 2015 e 2018, é a enorme paixão deste jovem pelo cinema. O cinema enquanto arte e fonte de entretenimento, bem entendido, mas também enquanto fábrica de ilusões, viveiro de artífices como Georges Méliès ou Alfred Hitchcock, Quentin Tarantino ou Woody Allen. E se cito Tarantino e Allen não é porque eles me pareçam expoentes à altura dos outros dois referidos (ou de tantos outros que poderia enunciar convicta e prontamente), mas porque nestas peças que nos são mostradas é o dedo deles que mais se sente, do primeiro na forma e do segundo no conteúdo.
“Freud Und Friends”, a primeira curta do programa, coloca uma neurocientista a “espreitar” o interior do cérebro de um jovem cineasta português, precisamente Gabriel Abrantes. De repente é como se caíssemos num filme de série Z, com décors a fazer lembrar os primeiros filmes de Woody Allen, um genial “non sense” a abrir caminho pelas várias sequências e a transformar o filme numa hilariante paródia. Segue-se “Uma breve história da Princesa X”, um filme que aborda a escultura homónima de Constantin Brancusi, passando de busto da controversa sobrinha bisneta de Napoleão a rival vencido do “urinol” de Duchamp. O “non sense” persiste mas o olhar do realizador torna-se menos abstracto ao confrontar a arte com a vida. “Os Humores Artificiais” quase pode ser visto como o triunfo do amor, vivido por um robô que se apaixona por uma jovem índia Xingu. O filme é uma parábola sobre a sujeição aos poderosos que manipulam o mundo a seu bel prazer, mas sempre haverá alguém que, por seu livre pensamento, resiste e diz não. Finalmente, “As Extraordinárias Desventuras da Menina de Pedra” é um hino à liberdade, contra as desigualdades, levado a cabo por uma estátua “de carácter decorativo e refrescantemente banal” que se aventura fora de portas do Louvre.
Organizado por ordem cronológica, dividido em quatro capítulos que sublinham os lugares que servem como pano de fundo dos filmes – Lisboa, Nova Iorque, aldeia Yawalapiti, S. Paulo e Paris -, “Quatro Contos” oferece um programa genial, de um não menos genial criador de quem já tinha sido possível ver o impagável “Diamantino”. Estreadas em festivais prestigiados, tais como a Quinzena dos Realizadores, em Cannes, a Berlinale, o Festival de Cinema de Locarno ou de Toronto, entre outros, estas curtas, no seu conjunto, lograram alcançar quase três dezenas de prémios. Independentemente da qualidade das propostas e da possibilidade de percebermos melhor o trabalho de Gabriel Abrantes, “Quatro Contos” é a prova provada da vitalidade do cinema de curta duração português, que tantas alegrias nos tem dado nos tempos mais recentes. Também por isso, é de louvar o esforço de distribuição em sala de um formato injustamente desvalorizado e que trará, a muitos e bons espectadores, um misto de espanto e prazer.
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