CINEMA: “Listen”
Realização | Ana Rocha de Sousa
Argumento | Paula Vaccaro, Aaron Brookner, Ana Rocha de Sousa
Fotografia | Hatti Beanland
Montagem | Tomás Baltazar
Interpretação | Lúcia Moniz, Sophia Myles, Ruben Garcia, Maisie Sly, James Felner, Kiran Sonia Sawar, António Capelo, Ângela Pinto, Sian Abrahams, Jon Rumney, Brian Bovell, Susanna Cappellaro, Tara Quinn, Jay Lycurgo, Kem Hassan, Geoffrey Kirkness
Produção | Paula Vaccaro, Rodrigo Areias, Aaron Brookner
Portugal, Reino Unido | 2020 | Drama | 73 Minutos | Maiores de 14
Centro Multimeios Espinho
24 Out 2020 | sab | 16:30
Há muito tempo que um filme não me agarrava assim pelas tripas, fazendo-me despenhar do alto das minhas emoções, completamente rendido à verdade da sua história e à força da sua mensagem. “Listen”, filme português que vem de arrecadar quatro importantes prémios na Mostra de Veneza e que foi projectado na tarde de ontem em Espinho, em sessão especial que contou com a presença da realizadora Ana Rocha de Sousa e da actriz Lúcia Moniz, narra o drama de um casal de emigrantes portugueses e dos seus três filhos em terras de Sua Majestade, a braços com tremendas dificuldades económicas e entretanto sinalizados pela segurança social como família de risco. Baseado em equívocos e mal-entendidos, um sumário processo administrativo retira-lhes a tutela dos filhos, obrigando-os a uma luta desigual no sentido de recuperarem a família, devendo para isso enfrentar toda a espécie de excessos, tanto burocráticos como de autoridade e de zêlo.
E talvez “Listen” até tivesse tudo para correr mal. Numa sociedade cada vez mais individualista e egocêntrica, insensível ao outro, os valores morais em queda livre, quem iria interessar-se pela história de um casal de emigrantes mais os seus miúdos. Não seria tão melhor que cada um permanecesse na sua terra e deixasse os outros em paz? Ao mesmo tempo, digo eu, não abundam os espectadores que se dispõem a ser “aniquilados” desta forma por um filme, quando aquilo que querem é, apenas, passar um bom bocado. É justamente aqui que entra Ana Rocha de Sousa e a sua mão que aperta a mão de quem precisa, gritando, alto e bom som: “Olhem para estas pessoas, olhem para o que lhes estão a fazer, vejam como sofrem. Elas precisam de nós!” Diz isto cara a cara, sem rodeios, escorada num argumento sólido, a presença de Lúcia Moniz, no papel de Bela, a caucionar os factos, numa interpretação superlativa, plena de rigor e autenticidade.
Filme de intervenção e de denúncia, de um activismo feroz em prol dos Direitos Humanos, “Listen” é um instrumento artístico que vai muito além desta história triste ligada à emigração nos dias que correm. Enquanto forma de arte, o cinema deve cumprir um papel de entretenimento, mas tem igualmente o dever de devolver por imagens o mundo tal qual ele é, questionando, inquietando, e na verdade este filme cumpre esse desígnio por inteiro. A sua ligação ao real acrescenta uma tensão fortíssima ao simples objecto fílmico, lembrando que as pessoas que sustentam esta história não são personagens de uma qualquer ficção. Talvez por isto, tenhamos todos a obrigação de ver “Listen”, de nos confrontarmos com realidades que gostaríamos de evitar ou tentar fingir que não existem.
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