CONCERTO: Silvia Pérez Cruz
Programa Anima-te
Parque da Devesa, Vila Nova de Famalicão
14 Ago 2020 | sex | 19:00
A tarde caía já sobre o Parque da Devesa, em Vila Nova de Famalicão, quando Silvia Pérez Cruz subiu ao palco, fazendo soar os acordes da sua guitarra e espalhando aos quatro ventos a doçura e o calor da sua voz. “Yo vide una garza mora / Dandole combate a un río / Así es como se enamora / Tu corazón con el mío” começou por cantar, as palavras e a música de “Tonada de Luna Llena”, do venezuelano Simon Diaz, a darem o mote para um concerto que viria a ficar na memória de todos pelas melhores razões. Seguiram-se “My Dog” e “Verde”, duas canções que integram a banda sonora de “Cerca de Tu Casa”, um musical dirigido por Eduard Cortés e protagonizado pela própria cantora. Mas antes, uma confissão e um pedido, em tempo de desconfinamento: “Que bom poder cantar com gente. Temos de cuidar da cultura e deixar que a cultura cuide de nós.” Depois a cantora mostrou quão forte bate o seu coração brasileiro e, no embalo de Paulinho da Viola, ofereceu uma sublime “Dança da Solidão”.
Com “Barco Negro”, um dos fados imortalizados na voz de Amália Rodrigues, a cantora catalã protagonizou o primeiro grande momento da tarde, não sem antes lembrar que a versão que todos conhecemos não é a original, sendo brasileira a primeira versão e que se intitula “Mãe Preta”. Assinada por Caco Velho e Piratini e gravada pelo conjunto Tocantins, em 1943, a canção é um retrato do Brasil esclavagista. Mas voltemos a Silvia Pérez Cruz e a este “Barco Negro”, que a cantora afirma ter cantado pela primeira vez em público no nosso país. Ele é a demonstração plena da qualidade interpretativa da cantora, mas também da sua alma de fadista. Com Amália e Carminho, Silvia Pérez Cruz forma um trio que, como ninguém mais, legitima o fado como “a alma da gente”. Ela é, seguramente, a mais portuguesa de todas as cantoras espanholas. De hoje e de sempre!
A canção seguinte veio prolongar o encanto e provar os dotes de comunicadora de Silvia Pérez Cruz. Quem, senão ela, para explicar que queria cantar a morte mas não podia fazê-lo da forma alegre como fazem os brasileiros. Os acordes de “Tristeza não tem Fim” mostraram o porquê do dilema da cantora. A verdade é que também não podia cantá-la em português ou em espanhol, uma vez que “soaria tristíssimo”, disse, ilustrando a preceito. Daí que a solução fosse cantá-la como uma toada mexicana, daí nascendo “Mañana”, da poeta catalã Ana María Moix. O concerto fluía de forma alucinante e, à felicidade da cantora por poder estar de novo em frente a um público, juntavam-se os aplausos e os incentivos das largas centenas de pessoas que não quiseram perder a felicidade de a escutar. E escutaram, numa versão muito pessoal de “The Sound of Silence” como em “Irene”, de Vinicius e Toquinho ou em “Plumita”, esse incrível poema que diz: “Dónde está tu pájaro, plumita? / —Mi pájaro es un sueño. Se ha volado. / Volverá? / —Nunca se va: Vuela y permanece, / Como vuela y permanece todo lo soñado.”
A crónica vai longa e importa abreviar. Mas como fazê-lo quando é de “Pare Meu” que se trata, as palavras de Maria Cabrera i Callis como um grito, “el crit que ofega el meu pit”. Ou de “Cucurrucucú Paloma”, outro dos momentos inolvidáveis do concerto, ainda e sempre a voz e a alma a darem-se por inteiro, no mais belo gesto de amor. Ou ainda de “Piedra y Camino”, “A veces soy como el río / Llego cantando / Y sin que nadie lo sepa, viday / Me voy llorando.” O concerto aproxima-se do final e escuta-se um intimista “Los Dragones Buscan el Abril”, também um intenso “Que Me Van Aniquilando” e ainda um “coração todo feito de papel chamado saudade” e que resulta no reflexivo “Não Sei”. Já no encore viria o último grande momento desta tarde única, a cantora a abandonar a guitarra e, toda voz e emoção, a oferecer uma interpretação única de “Estranha Forma de Vida”, o coração num galope, “coração que não comando (...) porque teimas em correr”. O sol já se pôs no horizonte, mas o Parque da Devesa brilha ainda. E continuará a brilhar, enquanto não se apagar a memória dum concerto inesquecível!
Programa Anima-te
Parque da Devesa, Vila Nova de Famalicão
14 Ago 2020 | sex | 19:00
A tarde caía já sobre o Parque da Devesa, em Vila Nova de Famalicão, quando Silvia Pérez Cruz subiu ao palco, fazendo soar os acordes da sua guitarra e espalhando aos quatro ventos a doçura e o calor da sua voz. “Yo vide una garza mora / Dandole combate a un río / Así es como se enamora / Tu corazón con el mío” começou por cantar, as palavras e a música de “Tonada de Luna Llena”, do venezuelano Simon Diaz, a darem o mote para um concerto que viria a ficar na memória de todos pelas melhores razões. Seguiram-se “My Dog” e “Verde”, duas canções que integram a banda sonora de “Cerca de Tu Casa”, um musical dirigido por Eduard Cortés e protagonizado pela própria cantora. Mas antes, uma confissão e um pedido, em tempo de desconfinamento: “Que bom poder cantar com gente. Temos de cuidar da cultura e deixar que a cultura cuide de nós.” Depois a cantora mostrou quão forte bate o seu coração brasileiro e, no embalo de Paulinho da Viola, ofereceu uma sublime “Dança da Solidão”.
Com “Barco Negro”, um dos fados imortalizados na voz de Amália Rodrigues, a cantora catalã protagonizou o primeiro grande momento da tarde, não sem antes lembrar que a versão que todos conhecemos não é a original, sendo brasileira a primeira versão e que se intitula “Mãe Preta”. Assinada por Caco Velho e Piratini e gravada pelo conjunto Tocantins, em 1943, a canção é um retrato do Brasil esclavagista. Mas voltemos a Silvia Pérez Cruz e a este “Barco Negro”, que a cantora afirma ter cantado pela primeira vez em público no nosso país. Ele é a demonstração plena da qualidade interpretativa da cantora, mas também da sua alma de fadista. Com Amália e Carminho, Silvia Pérez Cruz forma um trio que, como ninguém mais, legitima o fado como “a alma da gente”. Ela é, seguramente, a mais portuguesa de todas as cantoras espanholas. De hoje e de sempre!
A canção seguinte veio prolongar o encanto e provar os dotes de comunicadora de Silvia Pérez Cruz. Quem, senão ela, para explicar que queria cantar a morte mas não podia fazê-lo da forma alegre como fazem os brasileiros. Os acordes de “Tristeza não tem Fim” mostraram o porquê do dilema da cantora. A verdade é que também não podia cantá-la em português ou em espanhol, uma vez que “soaria tristíssimo”, disse, ilustrando a preceito. Daí que a solução fosse cantá-la como uma toada mexicana, daí nascendo “Mañana”, da poeta catalã Ana María Moix. O concerto fluía de forma alucinante e, à felicidade da cantora por poder estar de novo em frente a um público, juntavam-se os aplausos e os incentivos das largas centenas de pessoas que não quiseram perder a felicidade de a escutar. E escutaram, numa versão muito pessoal de “The Sound of Silence” como em “Irene”, de Vinicius e Toquinho ou em “Plumita”, esse incrível poema que diz: “Dónde está tu pájaro, plumita? / —Mi pájaro es un sueño. Se ha volado. / Volverá? / —Nunca se va: Vuela y permanece, / Como vuela y permanece todo lo soñado.”
A crónica vai longa e importa abreviar. Mas como fazê-lo quando é de “Pare Meu” que se trata, as palavras de Maria Cabrera i Callis como um grito, “el crit que ofega el meu pit”. Ou de “Cucurrucucú Paloma”, outro dos momentos inolvidáveis do concerto, ainda e sempre a voz e a alma a darem-se por inteiro, no mais belo gesto de amor. Ou ainda de “Piedra y Camino”, “A veces soy como el río / Llego cantando / Y sin que nadie lo sepa, viday / Me voy llorando.” O concerto aproxima-se do final e escuta-se um intimista “Los Dragones Buscan el Abril”, também um intenso “Que Me Van Aniquilando” e ainda um “coração todo feito de papel chamado saudade” e que resulta no reflexivo “Não Sei”. Já no encore viria o último grande momento desta tarde única, a cantora a abandonar a guitarra e, toda voz e emoção, a oferecer uma interpretação única de “Estranha Forma de Vida”, o coração num galope, “coração que não comando (...) porque teimas em correr”. O sol já se pôs no horizonte, mas o Parque da Devesa brilha ainda. E continuará a brilhar, enquanto não se apagar a memória dum concerto inesquecível!
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