CINEMA: “O Que Arde”
Realização | Oliver Laxe
Argumento | Santiago Fillol, Oliver Laxe
Fotografia | Mauro Herce
Montagem | Cristóbal Fernández
Interpretação | Amador Arias, Benedicta Sánchez, Inazio Abrao, Elena Mar Fernández, David de Poso, Alvaro de Bazal, Damián Prado, Nando Vásquez, Manuel Martínez, José Luis Santalices, Manuel Santamarina
Produção | Elise André, Jordi Balló, David Mathieu-Mahias, Mani Mortazavi, Andrea Queralt, Donato Rotunno, Andrea Vásquez
Espanha, França | 2019 | Crime, Drama | 86 Minutos | Maiores de 12
Cinema Dolce Espaço
15 Ago 2020 | sab | 18:15
As primeiras imagens de “O Que Arde” são avassaladoras. Na sua progressão impiedosa e obstinada, as máquinas vão arrasando milhares de árvores, abrindo caminho a que uma nova floresta venha ocupar o lugar da anterior, num processo de exploração intensiva que, enriquecendo uns, empobrece-nos a todos. O enorme carvalho, que se interpõe acidentalmente no caminho das máquinas, vem lembrar que, neste processo onde só o lucro parece interessar, há valores nobres que persistem e por cima dos quais é impossível passar. Está dado o mote para esta história que envolve um pirómano e a sua relação com os que lhe são mais próximos, desde logo com a sua própria mãe, mas também com os habitantes duma pequena aldeia na zona montanhosa de Lugo, na Galiza.
No centro do olhar do realizador Oliver Laxe, encontramos então a relação silenciosa desta mãe que, aos 80 anos, vive de apascentar sozinha um pequeno rebanho, com o seu filho que acaba de sair em liberdade condicional após dois anos de prisão por incêndio criminoso. Esta personagem masculina, tão magnífica quanto a da sua mãe no ecrã, é Amador. Ela é Benedita. Dois primeiros nomes que também são os de dois actores não profissionais, projectados na tela com a verdade de gente real, nas mãos e nos rostos as marcas do trabalho árduo. Pouco sabemos sobre eles, mas a força das imagens está nos seus silêncios, nas sequências do trabalho na terra ou com o rebanho, na partilha de afecto com um cão leal, apesar do corpo dobrado ao peso dos anos que contribui para a sensação de declínio geral deste mundo. Há uma beleza tremenda nesses momentos, um apego à natureza que passa a ser nosso também. Na sua mudez de homem magoado, Amador nunca revelará se o incêndio devastador foi acidental ou provocado por si, mas é precisamente isto que faz dele uma personagem fascinante e acima de tudo significante, numa obra que pouco mostra mas que tanto nos diz.
Filme austero, a meio caminho do documentário sobre um mundo rural em declínio, “O Que Arde” é um impressionante canto do cisne, um requiem que deixa pouco espaço de esperança àqueles que teimam em não abandonar as suas raízes e acabam por viver uma situação de verdadeiro fim do mundo (muito adequado o título em francês, “Viendra le Feu”, em jeito de profecia). Sob o olhar surpreso de uma geração mais velha que se questiona sobre o interesse da modernidade nos seus espaços parados no tempo, a esperança de reavivar um interior cada vez mais desertificado, reorientando-o para a realidade moderna do turismo em espaço rural, vê-se de um momento para o outro afogada num mar de cinzas e a exigir que se apurem culpados, quando culpados, no limite, somos todos. Galardoado com o Prémio do Júri na secção “Un Certain Regard” do Festival de Cannes em 2019, “O Que Arde” bem merece o reconhecimento. Neste apelo a um mundo que se encontra por um fio, o filme confronta-nos com um pesadelo de lágrimas e de lume. Lágrimas cada vez mais secas, mais incapazes de irrigar a realidade incandescente de uma Terra que morre a cada dia.
Realização | Oliver Laxe
Argumento | Santiago Fillol, Oliver Laxe
Fotografia | Mauro Herce
Montagem | Cristóbal Fernández
Interpretação | Amador Arias, Benedicta Sánchez, Inazio Abrao, Elena Mar Fernández, David de Poso, Alvaro de Bazal, Damián Prado, Nando Vásquez, Manuel Martínez, José Luis Santalices, Manuel Santamarina
Produção | Elise André, Jordi Balló, David Mathieu-Mahias, Mani Mortazavi, Andrea Queralt, Donato Rotunno, Andrea Vásquez
Espanha, França | 2019 | Crime, Drama | 86 Minutos | Maiores de 12
Cinema Dolce Espaço
15 Ago 2020 | sab | 18:15
As primeiras imagens de “O Que Arde” são avassaladoras. Na sua progressão impiedosa e obstinada, as máquinas vão arrasando milhares de árvores, abrindo caminho a que uma nova floresta venha ocupar o lugar da anterior, num processo de exploração intensiva que, enriquecendo uns, empobrece-nos a todos. O enorme carvalho, que se interpõe acidentalmente no caminho das máquinas, vem lembrar que, neste processo onde só o lucro parece interessar, há valores nobres que persistem e por cima dos quais é impossível passar. Está dado o mote para esta história que envolve um pirómano e a sua relação com os que lhe são mais próximos, desde logo com a sua própria mãe, mas também com os habitantes duma pequena aldeia na zona montanhosa de Lugo, na Galiza.
No centro do olhar do realizador Oliver Laxe, encontramos então a relação silenciosa desta mãe que, aos 80 anos, vive de apascentar sozinha um pequeno rebanho, com o seu filho que acaba de sair em liberdade condicional após dois anos de prisão por incêndio criminoso. Esta personagem masculina, tão magnífica quanto a da sua mãe no ecrã, é Amador. Ela é Benedita. Dois primeiros nomes que também são os de dois actores não profissionais, projectados na tela com a verdade de gente real, nas mãos e nos rostos as marcas do trabalho árduo. Pouco sabemos sobre eles, mas a força das imagens está nos seus silêncios, nas sequências do trabalho na terra ou com o rebanho, na partilha de afecto com um cão leal, apesar do corpo dobrado ao peso dos anos que contribui para a sensação de declínio geral deste mundo. Há uma beleza tremenda nesses momentos, um apego à natureza que passa a ser nosso também. Na sua mudez de homem magoado, Amador nunca revelará se o incêndio devastador foi acidental ou provocado por si, mas é precisamente isto que faz dele uma personagem fascinante e acima de tudo significante, numa obra que pouco mostra mas que tanto nos diz.
Filme austero, a meio caminho do documentário sobre um mundo rural em declínio, “O Que Arde” é um impressionante canto do cisne, um requiem que deixa pouco espaço de esperança àqueles que teimam em não abandonar as suas raízes e acabam por viver uma situação de verdadeiro fim do mundo (muito adequado o título em francês, “Viendra le Feu”, em jeito de profecia). Sob o olhar surpreso de uma geração mais velha que se questiona sobre o interesse da modernidade nos seus espaços parados no tempo, a esperança de reavivar um interior cada vez mais desertificado, reorientando-o para a realidade moderna do turismo em espaço rural, vê-se de um momento para o outro afogada num mar de cinzas e a exigir que se apurem culpados, quando culpados, no limite, somos todos. Galardoado com o Prémio do Júri na secção “Un Certain Regard” do Festival de Cannes em 2019, “O Que Arde” bem merece o reconhecimento. Neste apelo a um mundo que se encontra por um fio, o filme confronta-nos com um pesadelo de lágrimas e de lume. Lágrimas cada vez mais secas, mais incapazes de irrigar a realidade incandescente de uma Terra que morre a cada dia.
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