TEATRO: “A Dama das
Camélias”
Texto | Alexandre Dumas, filho
Tradução | João Paulo Esteves da Silva
Encenação | Miguel Loureiro
Cenografia | André Guedes
Figurinos | Catarina Graça
Interpretação | Álvaro Correia, António Durães, Carla Bolito, Carla Maciel, Gonçalo Waddington, Leonor Buescu, Miguel Mateus, Miguel Sopas, Rita Rocha, Sonja Valentina
Produção | Nuno Pratas / Culturproject
165 Minutos | Maiores 12 anos
Teatro Nacional São João
09 fev 2020 | dom | 16:00
Texto | Alexandre Dumas, filho
Tradução | João Paulo Esteves da Silva
Encenação | Miguel Loureiro
Cenografia | André Guedes
Figurinos | Catarina Graça
Interpretação | Álvaro Correia, António Durães, Carla Bolito, Carla Maciel, Gonçalo Waddington, Leonor Buescu, Miguel Mateus, Miguel Sopas, Rita Rocha, Sonja Valentina
Produção | Nuno Pratas / Culturproject
165 Minutos | Maiores 12 anos
Teatro Nacional São João
09 fev 2020 | dom | 16:00
Escrito por Alexandre Dumas, filho, “A
Dama das Camélias” é um dos mais célebres romances do século
XIX. Publicado com enorme sucesso em 1848, o livro foi adaptado para
teatro pelo próprio autor no ano seguinte e levado à cena em 1852.
Depois disso, tornou-se obra de eleição não apenas de encenadores,
mas também de gente ligada ao cinema e à música (Verdi, por
exemplo, baseou-se nesta história para compor “La Traviata”). “A
Dama das Camélias” narra a história da belíssima Marguerite
Gautier e da sua relação com um jovem da alta burguesia, Armand
Duval. Decididos a deixar o “glamour” de Paris e a viver o seu
amor longe dos olhares indiscretos de uma sociedade preconceituosa e
mesquinha, sofrem a oposição do pai de Armand que implora a
Marguerite que deixe o filho para não pôr em causa o bom nome da
família. Profundamente infeliz, a jovem mulher aceita abandonar o
seu amado, dizendo-lhe que está comprometida, mas enquanto tenta
esquecê-lo, mergulhando de novo na vida cortesã, vê a doença que
a vem minando agravar-se irremediavelmente. Quando Armand descobre
que a renúncia ao amor por parte de Marguerite resulta da pressão
do seu pai, é já demasiado tarde.
É deste texto espantoso, do drama que
encerra, do retrato de época duro e implacável que traça e das
emoções que dele se derramam, que vive “A Dama das Camélias”.
No palco do TNSJ, para quatro representações esgotadíssimas, os
actores mostram-se exímios na forma como dão vida às suas
personagens, as tornam verdadeiras e autênticas, únicas. Neste
particular aspecto, Carla Maciel compõem uma Marguerite Gautier a
roçar a perfeição, entre o alegre e o contido, a imensa dor que a
dilacera e consome diluída na gargalhada franca e numa espantosa
vontade de viver. Mais do que adequados, a cenografia, com assinatura
de André Guedes, e os figurinos de Catarina Graça revelam-se
preciosos na forma como, na sua simplicidade aparente, devolvem a
atmosfera duma certa Paris oitocentista. Desta forma, bem vistas as
coisas, estão reunidos todos os ingredientes para que a peça possa
resultar num momento de teatro do melhor e mais belo que nos possa
ser dado a ver. E porém...
Na sua ânsia de ir mais longe, o encenador Miguel Loureiro terá ido longe demais. Partindo para uma adaptação livre do texto, remeteu para segundo plano o padrão romântico que lhe é inerente e decidiu-se a brincar com o grotesco. A inspiração, ao que se sabe, foi buscá-la “aos programas de televisão, à cultura de rua, às conversas de tasca, à brejeirice”. Jan Fabre e a peça “O Poder da Loucura Teatral” legitimaram as suas opções, ancorando-as numa pretensa “liberdade total sobre o texto”. O resultado desta abordagem extravagante e libertina resume-se a uma palavra: destruição. O clacissismo teatral é tornado refém da toada revisteira, a eloquência de uma frase é pontuada pelo palavrão, os segundos sentidos têm como propósito único chocar o público, as referências a uma pretensa realidade actual esgotam-se na sua vacuidade e, num final escatológico, uma revoada de flatos estende-se por dois intermináveis actos, convocando o riso alarve e levando ao absurdo a desfaçatez e o mau gosto.
O risco nasceu para ser corrido e Miguel Loureiro, honra lhe seja feita, não recuou no momento de “expor o peito às balas”. Fê-lo com a irreverência que se lhe reconhece, com a sobranceria de um “chef” que decide juntar caviar, trufas, couve de bruxelas, tripa enfarinhada e comida para cão, dando ao prato uma apresentação fantástica. Mais relutante ou mais expedito, o comensal deve separar criteriosamente apenas aquilo que lhe interessa e dispor-se a prová-lo, uma mola a apertar-lhe o nariz e a roubar-lhe o paladar. O resultado, devo dizê-lo – e com muita pena minha – é profundamente desconsolador. Na Folha de Sala, Miguel Loureiro escreve: “Porquê A Dama das Camélias?, perguntarão alguns. Precisamos mesmo de responder a isso? Porquê representá-la assim? A essa pergunta podemos, porém, responder: porque sim.” A legitimidade que o encenador tem para dizer que sim é, porém, a mesma que o público terá para afirmar o seu contrário. São as duas faces duma moeda que dá pelo nome de teatro e que, neste caso particular, não sairá devidamente valorizada.
Na sua ânsia de ir mais longe, o encenador Miguel Loureiro terá ido longe demais. Partindo para uma adaptação livre do texto, remeteu para segundo plano o padrão romântico que lhe é inerente e decidiu-se a brincar com o grotesco. A inspiração, ao que se sabe, foi buscá-la “aos programas de televisão, à cultura de rua, às conversas de tasca, à brejeirice”. Jan Fabre e a peça “O Poder da Loucura Teatral” legitimaram as suas opções, ancorando-as numa pretensa “liberdade total sobre o texto”. O resultado desta abordagem extravagante e libertina resume-se a uma palavra: destruição. O clacissismo teatral é tornado refém da toada revisteira, a eloquência de uma frase é pontuada pelo palavrão, os segundos sentidos têm como propósito único chocar o público, as referências a uma pretensa realidade actual esgotam-se na sua vacuidade e, num final escatológico, uma revoada de flatos estende-se por dois intermináveis actos, convocando o riso alarve e levando ao absurdo a desfaçatez e o mau gosto.
O risco nasceu para ser corrido e Miguel Loureiro, honra lhe seja feita, não recuou no momento de “expor o peito às balas”. Fê-lo com a irreverência que se lhe reconhece, com a sobranceria de um “chef” que decide juntar caviar, trufas, couve de bruxelas, tripa enfarinhada e comida para cão, dando ao prato uma apresentação fantástica. Mais relutante ou mais expedito, o comensal deve separar criteriosamente apenas aquilo que lhe interessa e dispor-se a prová-lo, uma mola a apertar-lhe o nariz e a roubar-lhe o paladar. O resultado, devo dizê-lo – e com muita pena minha – é profundamente desconsolador. Na Folha de Sala, Miguel Loureiro escreve: “Porquê A Dama das Camélias?, perguntarão alguns. Precisamos mesmo de responder a isso? Porquê representá-la assim? A essa pergunta podemos, porém, responder: porque sim.” A legitimidade que o encenador tem para dizer que sim é, porém, a mesma que o público terá para afirmar o seu contrário. São as duas faces duma moeda que dá pelo nome de teatro e que, neste caso particular, não sairá devidamente valorizada.
[Foto: TNSJ | tnsj.pt]
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