CONCERTO: “A Invenção do Dia
Claro” | Capitão Fausto
Centro de Artes de Ovar
24 Jan 2020 | sex | 22:00
A guitarra faz-se ouvir em acordes
melodiosos, a secção rítmica segue-lhe os passos com delicadeza e
o som que emana das teclas vibra e torna o ambiente mais quente. A voz diz então, nesse início
de “Certeza”: “Andava malparado e sem saber, nesta história/
se é obrigatório que ela chegue ao final / Pra todo o mau bocado
que vier à memória / há sempre um argumento que o faz ser bom”.
Foi este o arranque de “A Invenção do Dia Claro”, o concerto
que os Capitão Fausto deram no auditório do Centro de Artes de Ovar
na noite de ontem e cujo nome é o mesmo do seu quarto álbum de
originais. Ora alegre, ora melancólica, a música oferecida ao longo
de uma hora e meia trouxe aos corações do público as interrogações
interiores da banda, “as deambulações sobre as coisas do amor,
daquilo que escapa na hora de nos encontrarmos, da inquietação que
significa lidar com pedaços negros guardados em nós e que
obscurecem a virtude luminosa do correr dos dias”.
A história de Tomás Wallenstein,
Salvador Seabra, Francisco Ferreira – a quem todos chamam Ferrari
–, Manuel Palha e Domingos Coimbra tem o seu primeiro capítulo em
2011, com “Gazela” – o álbum de estreia. Ali encontramos a
urgência das canções juvenis, dos hinos pop que se cantam e sabem
sempre a pouco. “Pesar o Sol” chega aos escaparates em 2014 e é
neste segundo álbum que os Capitão Fausto se impõem como uma das
mais originais e criativas propostas do nosso país. São as canções
de “Capitão Fausto Têm os Dias Contados” que, em 2016, os levam
a superar todas as expectativas, contando as estórias de vida de
cada um dos elementos do colectivo em modo pop recheado de primor e
requinte. Neste “A Invenção do Dia Claro”, a banda leva-nos
numa desassombrada viagem pop em que cabem contratempos caribenhos em
“Boa Memória”, baladas de lamentos encostadas ao coração do
piano em “Outro lado” e “Amor, a Nossa Vida”, refrões que se
apresentam como conhecidos de longa data, como no irrepreensível
“Sempre Bem” e ainda mestria nos arranjos que, entre o calor
orgânico dos anos 60 e o mundo sintético dos anos 80, criam a só
aparente simplicidade de “Faço as Vontades”.
Assente numa abordagem meticulosa que
não é de agora, totalmente concentrada na canção e nos arranjos,
a música dos Capitão Fausto busca alimento noutras paragens, que
tanto podem ser o imaginário de Rita Lee quanto as boas tropelias
pop da Banda do Casaco. Foi nesta onda que se desenhou um belíssimo
serão, a banda a cruzar com habilidade e naturalidade a cuidada
invenção musical com o prazer pelo impacto pop mais imediato - e
pelas carícias românticas e cheias de brilho nos olhos. Aquilo a
que chegaram os Capitão Fausto é o passo seguinte em relação às
inquietações geracionais patentes nos trabalhos anteriores —
agora a viagem é mais íntima, virada para o interior de uma relação
a dois. Muito mais se poderia dizer deste concerto que esgotou por
completo a sala de espectáculos por excelência do concelho de Ovar,
nomeadamente a terrível qualidade do som que roubou o prazer de
melhor apreciar os belíssimos poemas por detrás de cada canção. Mas isso são outros cabedais. Importa, sobretudo, guardar a ideia que nós, o
público, descobrimos uns novos Fausto, mas também acabámos por
descobrir um pouco de nós.
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