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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

CINEMA: "Tommaso"



CINEMA: “Tommaso”
Realização | Abel Ferrara
Argumento | Abel Ferrara
Fotografia | Peter Zeitlinger
Montagem | Fabio Nunziata
Interpretação | Cristina Chiriac, Willem Dafoe, Anna Ferrara, Stella Mastrantonio, Lorenzo Piazzoni, Alessandro Prato, Alessandra Scarci, Kim Rossi Stuart, Camilla Diana, Jasmine Trinca
Produção | Simone Gattoni, Michael Weber
Itália | 2019 | Drama | 115 Minutos | M/14
Cinema Dolce Espaço
03 Jan 2019 | sex | 16:00


A beleza da vida está naquilo que fazemos para lá de nós. Há alguns anos atrás, o realizador Abel Ferrara decidiu abandonar uma vida insana, recheada de múltiplos vícios, mudando-se para Itália com a sua família em busca de um novo, menos tumultuoso e mais saudável caminho. Após a rodagem de “Pasolini” e a realização de vários documentários, o director nova-iorquino voltou a poder contar com a companhia de Willem Dafoe, o seu mais fervoroso colaborador (sem querer “magoar” Christopher Walken), em “Tommaso”, a história de um director de cinema americano que vive em Roma lutando com as fraquezas e paixões de um passado doloroso, uma mulher com metade da sua idade e com uma paternidade recente.

O carácter autobiográfico de “Tommaso” é por demais evidente, não apenas porque o próprio Ferrara introduz a sua filha de três anos como filha da personagem protagonizada por Dafoe, mas também pela forma como são convocados os fantasmas do passado, neles se revendo realizador e actor, ao mesmo tempo transmitindo, na exacta medida, as perdas e ganhos de todo um “processo” de (auto)reabilitação. Isto é acentuado pela textura conferida à fotografia, dessaturada até à fronteira do preto e branco: o filme apresenta uma imagem digital bruta, com um grau de realismo que nos leva a imaginar, de forma clara, Dafoe e Ferrara sentados lado a lado a folhear um álbum de fotografias e a recordar episódios passados como se tivessem tido lugar ontem mesmo.

Entregando-se de alma e coração a um trabalho tão visceral quanto abrupto, Abel Ferrara e Willem Dafoe revivem histórias e memórias profundamente dolorosas, permitindo-se jogar com os arquétipos do artista torturado, tão caros ao cinema, enquanto reflectem sobre o trabalho de ambos. Assente num conturbado “work in progress”, com uma carga simbólica muito forte, “Tommaso” move-se nessa nebulosa indistinta entre a ficção e a realidade, dentro e fora da tela, até se transformar numa confissão dolorosa: os monstros permanecem à espreita, rodeando e perseguindo, esperando um momento de fraqueza para atacarem novamente.

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