CINEMA: “Tommaso”
Realização | Abel Ferrara
Argumento | Abel Ferrara
Fotografia | Peter Zeitlinger
Montagem | Fabio Nunziata
Interpretação | Cristina Chiriac,
Willem Dafoe, Anna Ferrara, Stella Mastrantonio, Lorenzo Piazzoni,
Alessandro Prato, Alessandra Scarci, Kim Rossi Stuart, Camilla Diana,
Jasmine Trinca
Produção | Simone Gattoni, Michael
Weber
Itália | 2019 | Drama | 115 Minutos
| M/14
Cinema Dolce Espaço
03 Jan 2019 | sex | 16:00
A beleza da vida está naquilo que
fazemos para lá de nós. Há alguns anos atrás, o realizador Abel
Ferrara decidiu abandonar uma vida insana, recheada de múltiplos
vícios, mudando-se para Itália com a sua família em busca de um
novo, menos tumultuoso e mais saudável caminho. Após a rodagem de
“Pasolini” e a realização de vários documentários, o director
nova-iorquino voltou a poder contar com a companhia de Willem Dafoe,
o seu mais fervoroso colaborador (sem querer “magoar” Christopher
Walken), em “Tommaso”, a história de um director de cinema
americano que vive em Roma lutando com as fraquezas e paixões de um
passado doloroso, uma mulher com metade da sua idade e com uma
paternidade recente.
O carácter autobiográfico de “Tommaso”
é por demais evidente, não apenas porque o próprio Ferrara
introduz a sua filha de três anos como filha da personagem
protagonizada por Dafoe, mas também pela forma como são convocados
os fantasmas do passado, neles se revendo realizador e actor, ao
mesmo tempo transmitindo, na exacta medida, as perdas e ganhos de
todo um “processo” de (auto)reabilitação. Isto é acentuado
pela textura conferida à fotografia, dessaturada até à fronteira
do preto e branco: o filme apresenta uma imagem digital bruta, com um
grau de realismo que nos leva a imaginar, de forma clara, Dafoe e
Ferrara sentados lado a lado a folhear um álbum de fotografias e a
recordar episódios passados como se tivessem tido lugar ontem mesmo.
Entregando-se de alma e coração a um
trabalho tão visceral quanto abrupto, Abel Ferrara e Willem Dafoe
revivem histórias e memórias profundamente dolorosas, permitindo-se
jogar com os arquétipos do artista torturado, tão caros ao cinema,
enquanto reflectem sobre o trabalho de ambos. Assente num conturbado
“work in progress”, com uma carga simbólica muito forte,
“Tommaso” move-se nessa nebulosa indistinta entre a ficção e a
realidade, dentro e fora da tela, até se transformar numa confissão
dolorosa: os monstros permanecem à espreita, rodeando e perseguindo,
esperando um momento de fraqueza para atacarem novamente.
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