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sexta-feira, 12 de julho de 2019

CINEMA: "Foxtrot"



CINEMA: “Foxtrot”
Realização | Samuel Maoz
Argumento | Samuel Maoz
Fotografia | Giora Bejach
Montagem | Arik Lahav-Leibovich
Interpretação | Lior Ashkenazi, Sarah Adler, Yonaton Shiray, Shira Haas, Eden Gamliel, Yehuda Almagor, Danny Isserles, Irit Kaplan
Produção | Marc Baschet, Viola Fügen, Cédomir Kolar, Eitan Mansouri, Michel Merkt, Michael Weber
Israel, Alemanha, França, Suiça | 2017 | Drama | 113 Minutos | M/14
Cinema Dolce Espaço
07 Jul 2019 | dom | 18:30


Pode um filme mimetizar o ritmo de uma dança de salão? Samuel Maoz prova-nos que sim. O seu “Foxtrot” marca deliberadamente os passos numa pista de dança que tanto pode ser a casa da família Feldman como um posto militar. O filme começa lentamente com uma história que vai destruir por algumas horas a vida de um casal da alta sociedade israelita. Dispensando diálogos, a tensão explode com raiva incomum sobre vítimas inocentes. Enquanto a “bela adormecida” escapa ao terror, o “príncipe” visita a sua mãe que nem se lembra dele. O segundo passo traz os familiares mais próximos ao encontro de uma “casa bombardeada” que se prepara para enterrar os seus mortos. É o tempo das conversas silenciosas e das confissões surpreendentes as quais, em vez de fazerem avançar a trama, a mantêm em suspenso por largos minutos. Viajamos então para outra pista, ao encontro de soldados deslocados que vivem os seus dias entediados com uma rotina absurda, controlando os carros que percorrem estradas perdidas e temendo que o seu precário barracão seja engolido pela lama.

Em “Foxtrot”, Samuel Maoz descreve com absoluta precisão e detalhe tanto a paisagem em volta como o mais íntimo de cada personagem. Com uma fotografia a roçar a excelência, ele mostra-nos esse incrível momento em que um soldado dança com a sua arma junto a um velho furgão, ao mesmo tempo que nos introduz num lugar onde parece que o tempo parou, fazendo-nos escutar uma surpreendente história sobre uma revista erótica ou revelando os segredos mais incómodos que se escondem nas areias do deserto. Aquilo que o realizador nos apresenta é um país ancorado no passado, incapaz de superar os seus dilemas e contradições, tal como o casal que se encontra amargamente na cozinha em frente a um bolo. A visão de Samuel Maoz é a de um país cheio de contrastes, um país que tem princípios inamovíveis relativos ao serviço militar e que são aqui abalados de forma intencional, não por alguém que o olha do lado de fora , mas por um deles, o que se torna demolidor.

O olhar de Maoz é impiedoso, revelando-nos aquilo que se esconde por detrás do que pode ser visto. Há cabos colocados aleatoriamente para formarem novas composições, luzes que se concentram em corpos encharcados, sem abrigo e sem conforto, almas torturadas que se abrigam numa refeição (sempre a mesma) de carne enlatada ou por detrás dum livro de “sketches”. Há fotos abstractas como a que se encontra pendurada na parede da entrada da casa dos Feldman, há latas que caem e rolam sobre um plano inclinado, há barreiras de ferro oxidado que sobem lentamente para deixar passar um camelo, há equipamentos obsoletos que demoram séculos a debitar um “clear”. E há todo um cosmos inquieto que continua a mover-se em direções opostas. No final, a reaproximação entre as pessoas poderá querer-nos dizer que está tudo bem, mas as feridas, essas, permanecerão latentes. No corpo e na alma.

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