CINEMA: “Foxtrot”
Realização | Samuel Maoz
Argumento | Samuel Maoz
Fotografia | Giora Bejach
Montagem | Arik Lahav-Leibovich
Interpretação | Lior Ashkenazi,
Sarah Adler, Yonaton Shiray, Shira Haas, Eden Gamliel, Yehuda
Almagor, Danny Isserles, Irit Kaplan
Produção | Marc Baschet, Viola
Fügen, Cédomir Kolar, Eitan Mansouri, Michel Merkt, Michael Weber
Israel, Alemanha, França, Suiça |
2017 | Drama | 113 Minutos | M/14
Cinema Dolce Espaço
07 Jul 2019 | dom | 18:30
Pode um filme mimetizar o ritmo de uma
dança de salão? Samuel Maoz prova-nos que sim. O seu “Foxtrot”
marca deliberadamente os passos numa pista de dança que tanto pode
ser a casa da família Feldman como um posto militar. O filme começa
lentamente com uma história que vai destruir por algumas horas a
vida de um casal da alta sociedade israelita. Dispensando diálogos,
a tensão explode com raiva incomum sobre vítimas inocentes.
Enquanto a “bela adormecida” escapa ao terror, o “príncipe”
visita a sua mãe que nem se lembra dele. O segundo passo traz os
familiares mais próximos ao encontro de uma “casa bombardeada” que se
prepara para enterrar os seus mortos. É o tempo das conversas
silenciosas e das confissões surpreendentes as quais, em vez de
fazerem avançar a trama, a mantêm em suspenso por largos minutos.
Viajamos então para outra pista, ao encontro de soldados deslocados
que vivem os seus dias entediados com uma rotina absurda, controlando
os carros que percorrem estradas perdidas e temendo que o seu
precário barracão seja engolido pela lama.
Em “Foxtrot”, Samuel Maoz descreve
com absoluta precisão e detalhe tanto a paisagem em volta como o
mais íntimo de cada personagem. Com uma fotografia a roçar a
excelência, ele mostra-nos esse incrível momento em que um soldado
dança com a sua arma junto a um velho furgão, ao mesmo tempo que
nos introduz num lugar onde parece que o tempo parou, fazendo-nos
escutar uma surpreendente história sobre uma revista erótica ou
revelando os segredos mais incómodos que se escondem nas areias do deserto. Aquilo
que o realizador nos apresenta é um país ancorado no passado,
incapaz de superar os seus dilemas e contradições, tal como o casal
que se encontra amargamente na cozinha em frente a um bolo. A visão
de Samuel Maoz é a de um país cheio de contrastes, um país que tem
princípios inamovíveis relativos ao serviço militar e que são aqui
abalados de forma intencional, não por alguém que o olha do lado de
fora , mas por um deles, o que se torna demolidor.
O olhar de Maoz é impiedoso,
revelando-nos aquilo que se esconde por detrás do que pode ser
visto. Há cabos colocados aleatoriamente para formarem novas composições,
luzes que se concentram em corpos encharcados, sem abrigo e sem
conforto, almas torturadas que se abrigam numa refeição (sempre a
mesma) de carne enlatada ou por detrás dum livro de “sketches”.
Há fotos abstractas como a que se encontra pendurada na parede da
entrada da casa dos Feldman, há latas que caem e rolam sobre um
plano inclinado, há barreiras de ferro oxidado que sobem lentamente
para deixar passar um camelo, há equipamentos obsoletos que demoram
séculos a debitar um “clear”. E há todo um cosmos inquieto que
continua a mover-se em direções opostas. No final, a reaproximação
entre as pessoas poderá querer-nos dizer que está tudo bem, mas as
feridas, essas, permanecerão latentes. No corpo e na alma.
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