TEATRO: “Hello My Name Is”
Texto a partir de “Coros Para
Depois dos Assassinatos”, de Edward Bond
Direcção e interpretação | Paulo
Castro
Co-produção | BoCA – Biennial of
Contemporary Arts (Portugal), OZAsia Festival (Austrália), Colectivo
84 (Portugal), Stone / Castro (Austrália)
60 minutos | M/14
Teatro Carlos Alberto
18 Abr 2019 | qui | 21:00
18 Abr 2019 | qui | 21:00
As luzes ainda não se apagaram quando
o homem chega à boca de cena. Fala com os espectadores para lhes
dizer que Rashidi Edward, o actor congolês que deveria representar a
peça, não obteve visto das autoridades portuguesas para poder
entrar no país, isto apesar de ter visto de residência permanente
na Austrália. Levar a peça à cena ou não, eis a questão. O homem
diz que será ele a substituir o actor. O homem é Paulo Castro, o
encenador, investido também no papel de actor neste seu regresso ao
Teatro Carlos Alberto, uma casa que conhece bem. A peça começa e
logo se percebem as fragilidades do “actor”. Ao esforço para
vermos Rashidi Edward no lugar de Paulo Castro, exige-se o esforço
de “descontar” o facto de estarmos perante uma solução de
improviso. E assim, sem premeditações ou ideias preconcebidas,
acabamos por entrar no mais fundo do próprio teatro enquanto arte da
representação.
“Hello My Name Is” apresenta um
soldado do Congo que organiza uma conferência de cariz político com
representantes do Congo, Ruanda, França, Bélgica, Inglaterra e
Portugal e, enquanto espera que estes cheguem, vai fazendo
declarações, citações, descrições de situações de guerra e
massacres ou reza pelas vítimas e por elas faz dois minutos de
silêncio… Um espectáculo cru, a revelar a crueldade da acção
humana, mas pleno de poesia e simbologia imagética, como nas cenas em
que o soldado coloca uma cruz de madeira em cima da bandeira do Congo
e reza no seu dialecto, ou quando faz um sound check com ossos dos
mortos de um massacre, ou ainda quando traz as cinzas das vítimas do
massacre para a mesa dos políticos e derrama essas cinzas sobre
estes.
Tanto quanto me recorde, dificilmente
uma peça terá tido tanto de verdadeiro como este “Hello My Name Is”.
O texto, escrito a partir de “Coros Para Depois dos Assassinatos”,
de Edward Bond, reacende as memórias da colonização e da ocupação
violenta de um país por outro, remetendo para alguns dos mais
sangrentos conflitos da história recente, da Bósnia-Herzegovina ao
Ruanda, da Síria ao Congo, de Timor-Leste ao conflito
Israel-Palestina. A questão dos refugiados, os massacres, a guerra
ou o abuso de poder revelam a perversidade de um mundo onde a
crueldade pode vir até de onde menos se espera. E depois há Paulo
Castro, com uma interpretação que chega a ser comovente se vista
pelo lado urgente de fazer teatro e, através dele, denunciar a
máquina de guerra que se esconde por detrás dos conflitos, os jogos
de interesses que beneficiam tanto as economias mais avançadas como
os “independentes anónimos”. No risco que aceitou correr, Paulo
Castro revela-se um corajoso vencedor. A ele devemos um aplauso de
gratidão!
[Foto: Bruno Simão /
facebook.com/boca.bienal/]
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