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sábado, 20 de abril de 2019

TEATRO: "Hello My Name Is"



TEATRO: “Hello My Name Is”
Texto a partir de “Coros Para Depois dos Assassinatos”, de Edward Bond
Direcção e interpretação | Paulo Castro
Co-produção | BoCA – Biennial of Contemporary Arts (Portugal), OZAsia Festival (Austrália), Colectivo 84 (Portugal), Stone / Castro (Austrália)
60 minutos | M/14
Teatro Carlos Alberto
18 Abr 2019 | qui | 21:00


As luzes ainda não se apagaram quando o homem chega à boca de cena. Fala com os espectadores para lhes dizer que Rashidi Edward, o actor congolês que deveria representar a peça, não obteve visto das autoridades portuguesas para poder entrar no país, isto apesar de ter visto de residência permanente na Austrália. Levar a peça à cena ou não, eis a questão. O homem diz que será ele a substituir o actor. O homem é Paulo Castro, o encenador, investido também no papel de actor neste seu regresso ao Teatro Carlos Alberto, uma casa que conhece bem. A peça começa e logo se percebem as fragilidades do “actor”. Ao esforço para vermos Rashidi Edward no lugar de Paulo Castro, exige-se o esforço de “descontar” o facto de estarmos perante uma solução de improviso. E assim, sem premeditações ou ideias preconcebidas, acabamos por entrar no mais fundo do próprio teatro enquanto arte da representação.

“Hello My Name Is” apresenta um soldado do Congo que organiza uma conferência de cariz político com representantes do Congo, Ruanda, França, Bélgica, Inglaterra e Portugal e, enquanto espera que estes cheguem, vai fazendo declarações, citações, descrições de situações de guerra e massacres ou reza pelas vítimas e por elas faz dois minutos de silêncio… Um espectáculo cru, a revelar a crueldade da acção humana, mas pleno de poesia e simbologia imagética, como nas cenas em que o soldado coloca uma cruz de madeira em cima da bandeira do Congo e reza no seu dialecto, ou quando faz um sound check com ossos dos mortos de um massacre, ou ainda quando traz as cinzas das vítimas do massacre para a mesa dos políticos e derrama essas cinzas sobre estes.

Tanto quanto me recorde, dificilmente uma peça terá tido tanto de verdadeiro como este “Hello My Name Is”. O texto, escrito a partir de “Coros Para Depois dos Assassinatos”, de Edward Bond, reacende as memórias da colonização e da ocupação violenta de um país por outro, remetendo para alguns dos mais sangrentos conflitos da história recente, da Bósnia-Herzegovina ao Ruanda, da Síria ao Congo, de Timor-Leste ao conflito Israel-Palestina. A questão dos refugiados, os massacres, a guerra ou o abuso de poder revelam a perversidade de um mundo onde a crueldade pode vir até de onde menos se espera. E depois há Paulo Castro, com uma interpretação que chega a ser comovente se vista pelo lado urgente de fazer teatro e, através dele, denunciar a máquina de guerra que se esconde por detrás dos conflitos, os jogos de interesses que beneficiam tanto as economias mais avançadas como os “independentes anónimos”. No risco que aceitou correr, Paulo Castro revela-se um corajoso vencedor. A ele devemos um aplauso de gratidão!

[Foto: Bruno Simão / facebook.com/boca.bienal/]

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