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terça-feira, 23 de abril de 2019

LIVRO: "Bom Dia Camaradas"



LIVRO: “Bom Dia Camaradas”,
de Ondjaki
Ed. Editorial Caminho, 2003 (4ª edição, Março de 2018)


É através do olhar de uma criança que Ondjaki nos convida a mergulhar na Luanda dos anos 80 neste “Bom Dia Camaradas”. Entre a casa e a escola, acompanhamos um quotidiano feito de rostos, gestos, expressões, laços, direcções, num processo de crescimento comum ao de tantas crianças, tornado incomum pelo ambiente hostil numa Angola tomada pela Guerra Civil. Ainda assim um ambiente feliz, num universo rico de imaginação e fantasia, o ser criança a verter em simplicidade e naturalidade os cortes no abastecimento da água e da luz, o controlo do consumo dos alimentos, os desenhos de armas e as redacções sobre a guerra.

Misturando, em doses iguais, a realidade com a ficção, “Bom Dia Camaradas” tem um cunho marcadamente autobiográfico, o Murtala, o Bruno “Viola”, a Petra, a Romina ou a Luaia a trazerem para o presente a infância do próprio Ondjaki, aqui no papel do narrador. Há ainda o camarada António, personagem que serve de elo de ligação com o passado colonialista português, e os camaradas professores cubanos, de quem o autor recebeu ensinamentos humanos determinantes e por quem revela um enorme carinho. São eles que trazem para a narrativa o olhar dos estrangeiros, o olhar socialista, o olhar da busca pela liberdade, o olhar do proletariado.

Primeiro romance de Ondjaki, “Bom Dia Camaradas” pode ser visto como um percursor do delicioso “AvóDezanove e o Segredo do Soviético”, publicado cinco anos mais tarde. Há uma sobreposição muito grande das personagens e dos locais da acção, o que faz com que a leitura de ambos se torne complementar. A poesia contida num abacateiro que se espreguiça ao acordar encontra paralelo num BarcoÍris, a ameaça do “Caixão Vazio” é a mesma do jacaré preso na casota do cão na casa do EspumaDoMar. Os momentos de prazer que se retiram da prosa de Ondjaki são únicos.

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