CINEMA: “Trás-os-Montes”
Realização | António Reis,
Margarida Cordeiro
Argumento | António Reis, Margarida
Cordeiro
Fotografia | Acácio de Almeida
Montagem | António Reis, Margarida
Cordeiro
Interpretação | Albino Pedro,
Carlos Margarido, Mariana Margarido, Luis Ferreira, Armando Manuel,
Rosalia Comba, Rui Ferreira
Produção | António Reis,
Margarida Cordeiro
Portugal | 1976 | Drama | 108
minutos | N/C
Cinema Trindade
12 Abr 2019 | sex | 14:30
“Vejo, outra vez, as fotografias que
tirei em Trás-os-Montes. Quase todas mentem. Nenhuma dor intolerável
nelas ficou. Nenhuma esperança. Qualquer raiz.”
António Reis
O ano é o de 1975, na região de
Trás-os-Montes, próximo da fronteira com a Galiza ou Castela e
longe, muito longe, da capital portuguesa, Lisboa. Geograficamente,
Trás-os-Montes não é uma ilha, mas, como algumas ilhas, parece
viver a um ritmo próprio, denso, como que suspensa na sua atmosfera
amarelenta de searas de trigo e vinhedos resguardados dos efeitos do
tempo. Inundam-na os ruídos intermitentes dos chocalhos do gado, dos
sinos dos campanários, do apito do comboio trazido pelo vento e das
vozes de gente de aparência meditabunda que rasga a terra e sulca
caminhos velhos. É um cenário concentrado de um Portugal estático,
com claras ressonâncias do seu passado medieval. O ano é o de 1975,
mas poderia muito bem ser há um ou dois séculos atrás.
Foi, muito provavelmente, a peculiar fantasmagoria de um sítio como este que atraiu António Reis – mais conhecido pelo seu trabalho como percursor do Cinema Novo português do que por uma interessante obra poética assente no quotidiano – e a psicóloga Margarida Cordeiro (esposa de António Reis) a submergirem-se na imutável realidade do povo transmontano, através de um cinema com muito pouco de convencional. Porque, se “Trás-os-Montes”, o filme mais reconhecido da dupla, continua a ser definido por muitos como um Documental, a verdade é que a natureza do seu registo ultrapassa em muito os pressupostos desse género cinematográfico.
Foi, muito provavelmente, a peculiar fantasmagoria de um sítio como este que atraiu António Reis – mais conhecido pelo seu trabalho como percursor do Cinema Novo português do que por uma interessante obra poética assente no quotidiano – e a psicóloga Margarida Cordeiro (esposa de António Reis) a submergirem-se na imutável realidade do povo transmontano, através de um cinema com muito pouco de convencional. Porque, se “Trás-os-Montes”, o filme mais reconhecido da dupla, continua a ser definido por muitos como um Documental, a verdade é que a natureza do seu registo ultrapassa em muito os pressupostos desse género cinematográfico.
É certo que o filme vai ao encontro dos habitantes e dos lugares, obstinando-se em capturar os seus problemas quotidianos. Mas a essa primeira camada descritiva – documental, com efeito -, juntam os realizadores um mundo sensorial que transcende o imediatamente visível (ou audível), uma poética feita de palavras e versos sobrepostos, capazes de transportar-nos, à vez, a um passado cujos ecos não deixam de habitar o a atmosfera nordestina e de conviver com os seus habitantes. Quer se trate de um antiquíssimo decreto do Rei D. Dinis sobre a região, das declarações de um pobre habitante sobre a injustiça e o desinteresse político por uma região sempre castigada e melancólica, da silicose e outras tragédias nas minas ou dos sonhos das crianças perdidas no labirinto temporal destes povos suspensos, “Trás-os-Montes” está povoado por fantasmas.
A propósito de "Trás-os-Montes", Jean Rouch, o
icónico cineasta etnográfico que viria a influenciar decisivamente
a Nouvelle Vague francesa e cujos filmes – “etnoficções”,
segundo o próprio – serviriam como referência directa aos
diferentes movimentos nos quais a forma documental assumiria um papel
fundamental – incluindo, naturalmente, o Cinema Novo português -,
escreveria a António Reis, no ano de estreia do filme: “Nunca, que
eu saiba, um realizador se empenhou com tal obstinação na expressão
cinematográfica de uma região, em dar a ver a difícil comunhão
entre homens, paisagens e estações. Só um poeta poderia
desenvolver um produto tão inquietante”.
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