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quarta-feira, 17 de abril de 2019

CINEMA: "As Cinzas Brancas Mais Puras"



CINEMA: “As Cinzas Brancas Mais Puras” / “Jiang hu er nü”
Realização | Jia Zhang-Ke
Argumento | Jia Zhang-Ke
Fotografia | Eric Gautier
Montagem | Matthieu Laclau
Interpretação | Tao Zhao, Fan Liao, Yi'nan Diao, Jiali Ding, Zijian Dong, Jiamei Feng, Xiaogang Feng, Kang Kang, Xuan Li
Produção | Shôzô Ichiyama, Nathanaël Karmitz
China, França, Japão | 2018 | Drama, Romance | 136 minutos | M/14
Cinema Dolce Espaço
17 Abr 2019 | qua | 16:00


A contraditória convivência entre o tradicional e o emergente é um dos aspectos mais interessantes no cinema de Jia Zhang-Ke. Precisamente aquilo que surge como renovação do clássico parece coincidir com o que o ocidente tem para oferecer, sejam roupas de marca ou estilos musicais. Deste conflito geracional ou transcultural surge a grande problemática registada pela lente deste realizador: o conflito entre aqueles que resistem à modernização e os que a abraçam. Todas as suas personagens são testemunhas dos vestígios duma sociedade muito ligada a certos protocolos convencionais, mas que surge ameaçada pela incipiente mas progressiva modificação da sua estrutura básica. Assim, os protagonistas dos seus filmes aparecem-nos como criminosos que discorrem entre um solene código de honra e uma inexorável marginalidade.

No seu último filme, Zhang-Ke mostra-nos o mundo das famílias do crime na China. O inesperado assassinato do líder de uma dessas famílias faz com que Bin ascenda ao poder algo precipitadamente, acabando por ser alvo, também ele, de uma emboscada. Será a namorada deste, com uma pistola nas mãos, que porá cobro à situação, acabando por ser detida por posse ilegal de arma e por passar cinco anos na prisão. Findo este tempo, a mulher é posta em liberdade para descobrir que Bin refez a sua vida e não conta com ela nos seus planos futuros. O desencanto da personagem, ao ver-se posta de lado pelos seus, passará a funcionar com motor dramático do filme.

“As Cinzas Brancas Mais Puras” poderia muito bem fazer uma exaustiva revisão da crueldade e da veemente luta territorial das mafias chinesas; em vez disso, envereda pela análise das consequências das alterações culturais e sociais no casal de amantes. Jia Zhang-Ke olha para uma cidade em desagregação por conta da violência, para se centrar num aspecto insignificante, o de Bin que acaba por sofrer um problema cardíaco e, dependente duma cadeira de rodas, torna-se numa perfeita inutilidade num espaço onde a destreza e a força física são as únicas fórmula para o sucesso. O vazio paralelo que se vive no interior do casal, o alheamento total daquilo que os rodeia, tomam então conta do filme, a violência em contraposição ao amor como exemplo de correlação paradoxal. Tanto sob o aspecto físico como dialéctico, os actos de terrorismo continuam a ter lugar, mas agora isolada e individualmente. Todas as conversas, por muito cordiais que possam parecer, tornam-se frágeis ante a exigência duma verdade sem rodeios.  

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