CINEMA: “As Cinzas Brancas Mais
Puras” / “Jiang hu er nü”
Realização | Jia Zhang-Ke
Argumento | Jia Zhang-Ke
Fotografia | Eric Gautier
Montagem | Matthieu Laclau
Interpretação | Tao Zhao, Fan
Liao, Yi'nan Diao, Jiali Ding, Zijian Dong, Jiamei Feng, Xiaogang
Feng, Kang Kang, Xuan Li
Produção | Shôzô Ichiyama,
Nathanaël Karmitz
China, França, Japão | 2018 |
Drama, Romance | 136 minutos | M/14
Cinema Dolce Espaço
17 Abr 2019 | qua | 16:00
A contraditória convivência entre o
tradicional e o emergente é um dos aspectos mais interessantes no
cinema de Jia Zhang-Ke. Precisamente aquilo que surge como renovação
do clássico parece coincidir com o que o ocidente tem para oferecer,
sejam roupas de marca ou estilos musicais. Deste conflito geracional
ou transcultural surge a grande problemática registada pela lente
deste realizador: o conflito entre aqueles que resistem à
modernização e os que a abraçam. Todas as suas personagens são
testemunhas dos vestígios duma sociedade muito ligada a certos
protocolos convencionais, mas que surge ameaçada pela incipiente mas
progressiva modificação da sua estrutura básica. Assim, os
protagonistas dos seus filmes aparecem-nos como criminosos que
discorrem entre um solene código de honra e uma inexorável
marginalidade.
No seu último filme, Zhang-Ke
mostra-nos o mundo das famílias do crime na China. O inesperado
assassinato do líder de uma dessas famílias faz com que Bin ascenda
ao poder algo precipitadamente, acabando por ser alvo, também ele,
de uma emboscada. Será a namorada deste, com uma pistola nas mãos,
que porá cobro à situação, acabando por ser detida por posse
ilegal de arma e por passar cinco anos na prisão. Findo este tempo,
a mulher é posta em liberdade para descobrir que Bin refez a sua
vida e não conta com ela nos seus planos futuros. O desencanto da
personagem, ao ver-se posta de lado pelos seus, passará a funcionar
com motor dramático do filme.
“As Cinzas Brancas Mais Puras”
poderia muito bem fazer uma exaustiva revisão da crueldade e da
veemente luta territorial das mafias chinesas; em vez disso,
envereda pela análise das consequências das alterações culturais
e sociais no casal de amantes. Jia Zhang-Ke olha para uma cidade em
desagregação por conta da violência, para se centrar num aspecto
insignificante, o de Bin que acaba por sofrer um problema cardíaco
e, dependente duma cadeira de rodas, torna-se numa perfeita
inutilidade num espaço onde a destreza e a força física são as
únicas fórmula para o sucesso. O vazio paralelo que se vive no
interior do casal, o alheamento total daquilo que os rodeia, tomam
então conta do filme, a violência em contraposição ao amor como
exemplo de correlação paradoxal. Tanto sob o aspecto físico como
dialéctico, os actos de terrorismo continuam a ter lugar, mas agora
isolada e individualmente. Todas as conversas, por muito cordiais que
possam parecer, tornam-se frágeis ante a exigência duma verdade sem
rodeios.
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