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terça-feira, 5 de março de 2019

LIVRO: "Torto Arado"



LIVRO: “Torto Arado”,
de Itamar Vieira Junior
Edição | Maria do Rosário Pedreira
Ed. Leya, Fevereiro de 2019


De forma absolutamente casual, cruzei-me com Itamar Vieira Júnior na Póvoa de Varzim, numa livraria, o melhor dos sítios para um escritor e um leitor se encontrarem. Aí, falei-lhe com entusiasmo de “Torto Arado”, que começara a ler, e do quanto me impressionara a sua escrita vertida nas páginas iniciais com uma força e uma tensão absolutamente assombrosas. Contei-lhe, sobretudo, da viva impressão que me causara a descrição do traumático episódio inicial, dessa faca que parecia ter vida própria, longe de imaginar o quão solidamente irmanados o sangue e o oculto se iriam revelar ao longo da narrativa.

Desde o início, o livro segura-nos com força pelos ombros, só deixando de nos abanar quando é claro estarmos bem despertos e conscientes da maldade e injustiça que se escondem na ignominiosa exploração do homem pelo homem. Há toda uma força vital que emana da terra, do homem, da palavra, que leva o leitor a recolher-se no drama e na dor dos fracos e oprimidos, a mostrar-se solidário e cúmplice. Itamar Vieira Junior e “Torto Arado” são, nessa exacta medida, irmãos de Saramago e do sublime “Levantado do Chão”, de Manuel da Fonseca e do punjente “Seara de Vento” ou de Soeiro Pereira Gomes e de “Esteiros”, esse livro escrito “para os filhos dos homens que nunca foram meninos”.

Com uma trama solidamente construída, “Torto Arado” tem um cunho vincadamente humanista ao assumir a voz daqueles que a não têm. A faca que, a um tempo, separa e une, é a mesma que rasga a narrativa, deixando de um lado os que lutam pelo direito a não serem mais do que um número, a terem um salário, uma habitação condigna e acesso a cuidados de saúde e educação, e do outro os mais pobres dos pobres, os resignados e submissos, dispostos a tudo aceitar, escravos da sua própria miséria. Estes nada mais têm a esperar do que a morte, inelutável e libertadora. Aqueles sofrerão a perseguição e a dor – é impossível não ver nos oito tiros que mataram Severo os mesmos desferidos contra Marielle Franco -, mas as suas gargantas não se cansarão de cantar amanhãs gloriosos e fraternos, na certeza de que chegará o tempo em que a liberdade e a justiça prevalecerão. Porque sobre a terra há de viver sempre o mais forte!

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