LIVRO: “Torto Arado”,
de Itamar Vieira Junior
Edição | Maria do Rosário
Pedreira
Ed. Leya, Fevereiro de 2019
De forma absolutamente casual,
cruzei-me com Itamar Vieira Júnior na Póvoa de Varzim, numa livraria, o
melhor dos sítios para um escritor e um leitor se encontrarem. Aí,
falei-lhe com entusiasmo de “Torto Arado”, que começara a ler, e
do quanto me impressionara a sua escrita vertida nas páginas
iniciais com uma força e uma tensão absolutamente assombrosas.
Contei-lhe, sobretudo, da viva impressão que me causara a descrição do
traumático episódio inicial, dessa faca que parecia ter vida
própria, longe de imaginar o quão solidamente irmanados o sangue e
o oculto se iriam revelar ao longo da narrativa.
Desde o início, o livro segura-nos com
força pelos ombros, só deixando de nos abanar quando é claro
estarmos bem despertos e conscientes da maldade e injustiça que se
escondem na ignominiosa exploração do homem pelo homem. Há toda
uma força vital que emana da terra, do homem, da palavra, que leva o
leitor a recolher-se no drama e na dor dos fracos e oprimidos, a
mostrar-se solidário e cúmplice. Itamar Vieira Junior e “Torto
Arado” são, nessa exacta medida, irmãos de Saramago e do sublime
“Levantado do Chão”, de Manuel da Fonseca e do punjente “Seara
de Vento” ou de Soeiro Pereira Gomes e de “Esteiros”, esse
livro escrito “para os filhos dos homens que nunca foram meninos”.
Com uma trama solidamente construída,
“Torto Arado” tem um cunho vincadamente humanista ao assumir a
voz daqueles que a não têm. A faca que, a um tempo, separa e une, é
a mesma que rasga a narrativa, deixando de um lado os que lutam pelo
direito a não serem mais do que um número, a terem um salário, uma
habitação condigna e acesso a cuidados de saúde e educação, e do
outro os mais pobres dos pobres, os resignados e submissos, dispostos a
tudo aceitar, escravos da sua própria miséria. Estes nada mais têm
a esperar do que a morte, inelutável e libertadora. Aqueles sofrerão
a perseguição e a dor – é impossível não ver nos oito tiros
que mataram Severo os mesmos desferidos contra Marielle Franco -, mas
as suas gargantas não se cansarão de cantar amanhãs gloriosos e
fraternos, na certeza de que chegará o tempo em que a liberdade e a justiça prevalecerão. Porque sobre a terra há de viver sempre o mais forte!
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