CINEMA: “Rosie – Uma Família
Sem Teto”
Realização | Paddy Breathnach
Argumento | Roddy Doyle
Fotografia | Cathal Watters
Montagem | Úna Ní Dhonghaíle
Interpretação | Sarah Greene, Moe
Dunford, Ellie O’Halloran, Ruby Dunne, Darragh Mckenzie, Molly
McCann, Paul Alwright, Fiona Ashe, Killian Coyle, John Dalessandro,
Emma Belle Jenkins
Produção | Juliette Bonass, Rory
Gilmartin, Emma Norton
Irlanda | 2018 | Drama | 86 minutos
| M/12
Cinema Dolce Espaço
14 Mar 2019 | qui | 16:00
"Desculpa". Talvez seja esta
a palavra mais escutada ao longo de “Rosie”, quase como um grito
desesperado saído da boca desta mãe de quatro filhos que não tem
como não se sentir em falta perante as carências que a própria
família experimenta. Relato do drama humano inerente a essa odisseia
de pequena escala em busca de um lugar para dormir em Dublin, numa
altura em que a crise imobiliária atinge a capital irlandesa com
toda a brutalidade, “Rosie” detalha, sóbria e subtilmente, a
forma como aqueles que escorregam e caem nas fissuras crescentes da
nossa sociedade são levados a sentir-se culpados por uma situação
para a qual, definitivamente, não contribuíram.
Quem entre nós não pensou já no
quanto há de errado em tudo isto, ou não sussurrou mesmo um pedido
de desculpa, ao passar por uma alma perdida na rua, sem tecto, à
deriva no meio dum tudo que é nada? Se um único caso de sem-abrigo
é uma tragédia, dez mil é uma estatística e, nesse sentido,
“Rosie” é menos um esforço para colocar um rosto nos dados e
números e mais uma chamada de atenção para o facto de que pedir
desculpa não basta. A estigmatização na escola vive dos filhos de
Rosie; a desconfiança dos hotéis perante a ideia de um alojamento
de emergência alimenta-se de famílias como as de Rosie; e o
desespero está bem à vista de todos nos esforços de Rosie para
acondicionar na mala de um carro os sacos volumosos onde se resumem
vidas inteiras. Há um sentimento de vergonha que atravessa todo o
filme, mas há também uma enorme convicção de que são as pessoas
erradas aquelas que estão obrigadas a senti-la.
Paddy Breathnach consegue essa proeza
extraordinária de fazer de “Rosie” um road-movie sem sair do
lugar: de forma claustrofóbica, captura seis pessoas no interior do
carro, a família enquadrada de forma icónica numa estrutura que
simboliza um progresso que lhe é completamente negado. O realizador
reforça esta ideia de paradoxo ao seleccionar criteriosamente as
paisagens de Dublin apenas pela sua metade menos atractiva, sugerindo
as ironias implícitas neste conto de “duas cidades”. E depois há
Sarah Greene, na personagem de Rosie, plena de versatilidade e de
contenção emocional, a coragem mantida no rosto para o bem das
crianças, a dignidade na pose a mascarar a dura realidade da luta
diária pela sobrevivência. “Rosie” é um daqueles “murros no
estômago” que magoa verdadeiramente, porquanto nos faz sentir, na sua dimensão mais trágica, o peso da palavra
“desculpa”.
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