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VISITA GUIADA: “O Porto dos
Britânicos”
Orientada por | César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas
do Corpo Santo de Massarelos
12 Jan 2019 | sab | 10:00
Enquanto aguardam com natural expectativa o início da primeira Visita Guiada de 2019 promovida pela Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, várias dezenas de pessoas vão-se juntando no outrora Campo Pequeno*, bebendo os
débeis raios de sol que atravessam as árvores nuas de folhas,
assim procurando espantar o frio. Para este dia, o historiador César Santos Silva propôs “O Porto dos Britânicos”, um tema deveras aliciante para mais um momento único de descoberta e partilha de
conhecimentos e que irá decorrer sob a influência das palavras da
escritora Rose Macaulay, também ela historiadora e que, nos anos 50 do século
passado, escreveu “Os Ingleses no Porto”, obra de referência
para a compreensão da importância dos britânicos na
dinâmica da cidade: “É no Porto que encontramos a colónia mais
retintamente britânica que jamais se estabeleceu no estrangeiro”.
Nos traços de ilustres britânicos que
marcaram a história da cidade e que deixaram obra que perdura até
aos nossos dias, os oitenta participantes começaram por visitar o
Cemitério dos Britânicos da Igreja de Saint James, espaço que se
abriga por detrás de altos muros, a denunciar os anos em que a
Inquisição em Portugal perseguia as religiões que não a católica.
Do monumento de homenagem aos britânicos envolvidos nas Primeira e
Segunda Guerras Mundiais, às sepulturas dos combatentes da comunidade
britânica, em mármore branco e carimbado com o símbolo e a
inscrição “Royal Air Force”, da urna onde está sepultado John
Whitehead, um dos impulsionadores da arquitectura urbanística do
Porto, ao túmulo do Barão Joseph James Forrester, que não o é na
verdade, já que os seus restos mortais nunca foram achados, é todo
um livro de História que se abre ao olhar do
visitante, despertando-o para realidades até então desconhecidas.
Segunda paragem no roteiro, o Palácio
de Cristal foi recordado na forma clássica que precedeu o actual
edifício, evocando o seu autor, o arquitecto britânico Thomas
Dillen Jones e as vicissitudes sofridas ao longo de quase 100 anos
(1865 – 1951) e que fizeram do palácio, nas palavras do Professor César
Santos Silva, “um elefante branco”. A visita prossegue e as
histórias sucedem-se: O Museu Nacional de Soares dos Reis, com a sua
imponente fachada neo-clássica, que abriga nas traseiras o que resta do Real
Velódromo Maria Amélia, inaugurado em 1894, com um britânico a
tornar-se no primeiro velocipedista a vencer aqui uma corrida; o busto de Arthur Wellesley, 1º Duque de Wellington,
recordando as Guerras Peninsulares e os aliados britânicos durante as Invasões Francesas; o já demolido Museu Portuense da
Rua da Restauração ou Museu Allen, criado no segundo quartel do
século XIX por João Francisco Allen, um coleccionista inveterado
que chegou a reunir quase seis centenas de telas; o Hospital de Santo
António, começado a construir em 15 de julho de 1770 segundo o
projecto de John William Carr, arquitecto britânico que nunca esteve
em Portugal; ainda o Antigo Clube Inglês, cujo terraço assenta numa
das torres da muralha fernandina e que a partir de 1923 recebeu a sede do
Oporto British Club, lugar de encontro da comunidade britânica no
Porto.
Descendo a Rua de Belomonte em direcção
à Rua de Ferreira Borges e à Praça do Infante, penetramos no
coração financeiro da cidade, verdadeiramente a “baixa” do
Porto, desde logo ao encontro do Instituto do Vinho do Porto. Aqui se
condensam séculos de história em torno do cultivo da vinha em
Portugal e, mais recentemente, desse produto-chave da economia
nacional que é o próprio Vinho do Porto. A par com o da emblemática
Dona Antónia Adelaide Ferreira, mais conhecida por Ferreirinha, aqui
se fundem nomes como os de Cockburn ou Warre, Symington ou Croft,
Delaforce ou Forrester, Sandeman ou Warre, verdadeiras instituições
no comércio do Vinho do Porto, que persistem com invejável pujança
no território negocial e que são símbolos inequívocos da
portugalidade no mundo. O Palácio da Bolsa serve de pretexto para
evocar alianças comerciais seculares com o Reino Unido e lembrar o
início duma nova dinastia em Portugal com D. João I e a sua união
a Dona Filipa de Lencastre, precisamente uma britânica. A visita
viria a terminar na antiga Rua Nova dos Ingleses, junto à Feitoria Inglesa, a única Factory House das muitas que existiram em todo o
mundo que sobreviveu até aos nossos dias. Sem ser possível visitar o interior do edifício, o Professor
César Santos Silva deixou-nos a evocação dos Wednesday Lunches, da
galeria de retratos ou da monumental cozinha, situada no último
andar e que conserva ainda todo o equipamento original e a baixela
primitiva.
As marcas dos britânicos no Porto não se
quedam por aqui mas isso, obviamente, representa uma das facetas mais interessantes deste tipo de iniciativas, convidando à pesquisa e à descoberta a título
individual. Entre os muitos aspectos por explorar, ficam algumas sugestões: Os primeiros taxis que circularam na cidade eram similares aos
taxis londrinos; o serviço telefónico português cuja concessão
foi entregue em 1887 à Anglo-Portuguese Telephone, exercendo a sua
actividade em Portugal ao longo de setenta anos e que nos deixou a título de herança as típicas cabinas telefónicas que ainda se podem
encontrar na cidade; as empresas têxteis como a William Graham ou a
Coats & Clark; o Oporto Cricket & Lawn Tennis Club, fundado
em 1855, o mais antigo clube da cidade; a Oporto British School,
prestes a completar 125 anos de vida e que foi, no continente
europeu, a primeira escola oficial inglesa; o Hospital dos Ingleses, encerrado graças às políticas do Estado Novo; também o Futebol e o
grande emblema da cidade, fundado em 28 de Setembro de 1893 por
António Nicolau de Almeida, um comerciante de Vinho do Porto, e que
recebeu o nome de baptismo de Foot-Ball Club do Porto. Ficam as dicas
e fica a promessa de nova Visita Guiada para a tarde de 26 de Janeiro,
a assinalar o primeiro aniversário do Núcleo
Museológico da Confraria. A não perder!
* Antes da implantação da República,
chamava-se “Campo Pequeno” (ou “Piqueno”, seguindo a grafia
da época) ao actual Largo da Maternidade de Julio Dinis, da mesma
forma que o Campo 24 de Agosto era o Campo Grande, um trecho da Rua
do Bonjardim se designava Bairro Alto e a Rua da Prata correspondia a
uma parte da actual Rua do Bonfim.
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