LIVRO: “Salvação”,
de Ana Cristina Silva
Ed. Edições Parsifal, Março de
2018
Pode a escrita sublimar a dor provocada
pelo desaparecimento de alguém que nos é querido? Verter na ficção
a dura realidade duma perda irreparável será remédio para mitigar
o sentir mais amargo? A resposta a esta e outras questões vamos
encontrá-la em “Salvação”, o mais recente romance de Ana
Cristina Silva. Tal como no anterior “A Noite Não é Eterna”, a
autora volta a mergulhar no mais profundo da natureza humana,
escalpelizando angústias e conflitos para nos oferecer retratos
psicológicos cuja complexidade e dimensão fascinam e assustam ao
mesmo tempo.
Ao cabo de duros meses de luta contra
um cancro particularmente maligno, Sofia acaba por sucumbir,
deixando o marido num terrível desespero. Sem saber que rumo dar
a uma vida que deixou de fazer sentido para si, David decide levar
por diante o derradeiro pedido de Sofia e lança-se na escrita de um
livro. Do seu luto nasce David Negro, personagem feita de dor e
disposta a interpretar a morte no seu registo indizível. Colocando
em paralelo o mundo pessoal do escritor e da personagem, Ana Cristina
Silva faz avançar o romance pelos caminhos da descoberta interior,
questionando o leitor sobre o sentido da vida.
Ao descrever com minúcia os estados de
alma correspondentes às diferentes fases do luto, a autora
estabelece vários níveis de leitura, nomeadamente aquele que diz
respeito ao próprio processo de escrita, a pesquisa de mãos dadas
com o real, acontecimentos que marcam a História ditados em
paralelo, ainda que separados quatro séculos entre si. Mas é sobre
a morte e aquilo que a determina que “Salvação” se debruça de
forma mais directa e intensa. Das fogueiras da Inquisição aos recentes ataques de Bruxelas perpetrados por terroristas islâmicos, o leitor
é confrontado com a ideia de que “matar faz parte da condição
humana e que no rosto de muitos mortos foi apagada a centelha da vida
para que se vingassem os mandamentos de um credo”. Um belo livro em
cujas linhas se inscreve o desassossego de estar vivo.
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