LIVRO: “Corações Irritáveis”,
de João Paulo Guerra
Ed. Clube do Autor, Março de 2016
“A Mariana, a Georgina e o Miguel não
foram à guerra. Mas é como se tivessem ido. Mariana e Georgina são
mulheres de ex-combatentes em Moçambique e na Guiné, o pai de
Miguel fez a guerra em Angola. E agora, vinte anos depois do fim das
guerras coloniais, a paz não chegou a estas mães e filhos, como aos
lares de todas as outras vítimas de perturbações pós-traumáticas
do stresse de guerra. E eis que hoje há indícios claros de que já
existe uma segunda geração de doentes, mulheres e filhos de
combatentes que contraíram o stresse de guerra por contágio.”
Não é inocente a escolha desta
passagem do livro “Corações Irritáveis”, excerto duma pretensa
peça jornalística inserta na narrativa e que remete para a figura
do escritor João Paulo Guerra enquanto homem da rádio e dos jornais, com
diversos prémios de jornalismo no currículo e uma boa mão cheia de
livros de pesquisa jornalista e histórica, de crónicas e de ficção
publicados. Neste seu mais recente romance, o autor retoma o assunto
da Guerra do Ultramar, vestindo-o com o manto da ficção para melhor
vincar o quanto de verdade se esconde nas feridas dum conflito que,
ao longo de treze anos, envolveu 150.000 homens em Angola, Guiné e
Moçambique, e registou oficialmente o trágico saldo de 8.289 mortos
entre as tropas portuguesas. Um conflito que, na sua vertente
diplomática, chegou ao fim com o 25 de Abril de 1974 e posterior
independência das ex-Colónias, mas cujos efeitos marcam, ainda
hoje, o quotidiano de muitos milhares de portugueses.
Entidade clínica identificada no
século XIX como “coração irritável”, a Perturbação
Pós-Stresse Traumático de guerra pode ser tida como a grande figura
do livro. É desta doença que o autor nos fala, das formas que pode
tomar e do sofrimento que acarreta, socorrendo-se para tal dum
conjunto de personagens fictícias, em situações extremas
igualmente ficcionadas mas fortemente identificadas com o real, daí
retirando o livro a sua maior força. Sem conseguirem ultrapassar os
traumas por que passaram, estas personagens vão lentamente
contagiando aqueles que lhes são mais próximos, até encontrarem na
morte a única forma de libertação. Aos ex-combatentes, junta João
Paulo Guerra a figura de Adélia, a mulher de um deles, de Luís e
Cecília, amigos próximos de Adélia, a inspectora Diamantina e a
psicóloga Sofia Ramada, a partir dos quais oferece um conjunto de
histórias que se vão entretecendo numa base de enorme rigor e
verdade.
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