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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

LIVRO: "A Última Viúva de África"



LIVRO: “A Última Viúva de África”,
de Carlos Vale Ferraz
Ed. Porto Editora, Setembro de 2017


“A Última Viúva de África”, lê-se como quem lê uma longa carta. Espécie de legado póstumo a alguém muito próximo, o livro encerra as memórias de Miguel Barros, “histórico e respeitado produtor de cinema”, tendo como elemento fulcral da trama uma portuguesa,  Alice Oliveira, antiga emigrante no Congo desde os anos 50, conhecida nesses tempos como Madame X pelas autoridades portuguesas e por Kisimbi, a “mãe”, pelos mercenários que combatiam em prol da secessão do Catanga. É ela “a última viúva de África”, que dá nome ao romance de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo de Carlos de Matos Gomes, publicado em 2017 e vencedor do Prémio Literário Fernando Namora no ano passado.

Do ponto de vista da História e dos factos, o livro contém um conjunto de elementos relevantes para a compreensão dos processos independentistas em África, colocando num dos pratos da balança as questões geopolíticas e a sua importância no contexto da Guerra Fria e, no outro, a absurda confiança dos colonos brancos na paz universal, seguindo a missão de civilizar bondosamente os indígenas. Entre espingardas Kalashnikov, zelosos inspectores da PIDE, piadas de caserna, diamantes, conflitos tribais ou multidões de cadávares descendo o rio Congo ao sabor da corrente, Carlos Vale Ferraz vai desvendando os contornos dum conflito que teve o seu início em 1960 e terminou, seis anos e 100.000 mortos depois, com a tomada do poder por Joseph Mobuto num país agora com o nome de Zaire. Um conflito que, entretanto, teve eco em Angola e nas restantes Províncias Ultramarinas, conhecendo o seu primeiro capítulo em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961.

O interesse do livro, porém, não vai muito além disto. Assente no olhar dum jornalista e da sua Nikon F, “com uma lente reflex e uma objectiva de trinta e cinco milímetros”, a escrita de Carlos Vale Ferraz vai tentando piscar o olho à ficção, sem contudo chegar a compor, de forma credível, as figuras que rodeiam a personagem principal. Profundamente dominado por histórias de vida que são as suas próprias histórias, o autor soçobra nas composições que o ultrapassam, sendo Alice Oliveira o caso mais flagrante. Intuímos que o segredo da sobrevivência desta mulher está na rede de contactos e de cumplicidades que soube cultivar e também na sorte de não ter sido, em certos momentos, a pessoa errada no sítio errado. Disto, porém, muito pouco é concretizado em termos narrativos e a personagem revelar-se-á inacabada, imprecisa. Fica-nos Miguel Oliveira, ficam-nos as suas histórias e memórias (o que, convenhamos, já não é pouco), mas fica também a sensação que Carlos Vale Ferraz, perante material tão rico e vasto, terá passado ao lado de um grande livro.

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