LIVRO: “A Última Viúva de
África”,
de Carlos Vale Ferraz
Ed. Porto Editora, Setembro de 2017
“A Última Viúva de África”,
lê-se como quem lê uma longa carta. Espécie de legado póstumo a
alguém muito próximo, o livro encerra as memórias de Miguel
Barros, “histórico e respeitado produtor de cinema”, tendo como
elemento fulcral da trama uma portuguesa, Alice Oliveira, antiga
emigrante no Congo desde os anos 50, conhecida nesses tempos como
Madame X pelas autoridades portuguesas e por Kisimbi, a “mãe”,
pelos mercenários que combatiam em prol da secessão do Catanga. É
ela “a última viúva de África”, que dá nome ao romance de
Carlos Vale Ferraz, pseudónimo de Carlos de Matos Gomes, publicado
em 2017 e vencedor do Prémio Literário Fernando Namora no ano passado.
Do ponto de vista da História e dos
factos, o livro contém um conjunto de elementos relevantes para a
compreensão dos processos independentistas em África, colocando num dos pratos
da balança as questões geopolíticas e a sua importância no
contexto da Guerra Fria e, no outro, a absurda confiança dos colonos
brancos na paz universal, seguindo a missão de civilizar
bondosamente os indígenas. Entre espingardas Kalashnikov, zelosos
inspectores da PIDE, piadas de caserna, diamantes, conflitos tribais ou
multidões de cadávares descendo o rio Congo ao sabor da corrente,
Carlos Vale Ferraz vai desvendando os contornos dum conflito que teve
o seu início em 1960 e terminou, seis anos e 100.000 mortos depois,
com a tomada do poder por Joseph Mobuto num país agora com o nome de Zaire. Um conflito que, entretanto,
teve eco em Angola e nas restantes Províncias Ultramarinas,
conhecendo o seu primeiro capítulo em Luanda, em 4 de Fevereiro de
1961.
O interesse do livro, porém, não vai muito além disto. Assente no olhar
dum jornalista e da sua Nikon F, “com uma lente reflex e uma
objectiva de trinta e cinco milímetros”, a escrita de Carlos Vale
Ferraz vai tentando piscar o olho à ficção, sem contudo chegar a
compor, de forma credível, as figuras que rodeiam a personagem
principal. Profundamente dominado por histórias de vida que são as
suas próprias histórias, o autor soçobra nas composições que o
ultrapassam, sendo Alice Oliveira o caso mais flagrante. Intuímos que o segredo da sobrevivência desta mulher está na
rede de contactos e de cumplicidades que soube cultivar e também na
sorte de não ter sido, em certos momentos, a pessoa errada no sítio
errado. Disto, porém, muito pouco é concretizado em termos
narrativos e a personagem revelar-se-á inacabada, imprecisa. Fica-nos Miguel Oliveira, ficam-nos as suas histórias e
memórias (o que, convenhamos, já não é pouco), mas fica também a sensação que Carlos Vale Ferraz, perante material tão rico e vasto,
terá passado ao lado de um grande livro.
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