TEATRO: “Veneno”,
de Cláudia Lucas Chéu
Direcção | Albano JerónimoAssistente de encenação | Cláudia Lucas Chéu
Concepção plástica | António MV
Interpretação | Albano Jerónimo, Luís Puto
Participação especial | Leonor Devlin
Voz off | Francisca van Zeller
Produção | teatronacional21
Centro de Artes de Ovar
23 Nov 2018 | sex | 22:00
O início da peça é revelador a todos os títulos: Uma “jovem”, coleante e produzida, liga o palco e a plateia em frenéticos passos de dança e gestos provocantes. Estamos no Portugal pimba, caucionado desde logo pelos espectadores que não cessam de bater palmas a compasso e de, nalguns casos, juntar ao riso alarve os piropos a (des)propósito. É nesta particular “geografia” que se insere o protagonista desta peça, um homem de meia idade que acaba de perder o emprego e se percebe perdido de si próprio. Estirado no sofá da sua sala, o álcool solta-lhe a língua e estimula o palavrão fácil. Berra com os filhos, amaldiçoa a mulher e o brasileiro com quem ela fugiu, insulta o patrão. Desfeitos que estão os laços sociais, morais, afectivos e emocionais que o vinculavam ao “status”, uma vida vazia de tudo desfila agora na primeira pessoa ante o olhar atónito do espectador. O discurso sobe de tom, as revelações são chocantes, o desfecho adivinha-se.
Não descurando o mérito de Cláudia
Lucas Chéu no desenvolvimento duma narrativa crua e implacável, com
tanto de intenso como de actual, é para Albano Jerónimo que vai uma
enorme ovação pela forma como encarna a personagem principal.
Metamorfoseando-se na figura dum homem desequilibrado e doente, que
se refugia na bebida para escapar de si próprio e dos seus
fantasmas, ele é o vínculo vivo entre o texto, as directivas do
encenador (no caso o próprio actor) e o olhar e sentir do público.
À sua capacidade interpretativa se deve a forma como a peça se
derrama sobre o espectador, desarmando-o, primeiro, para de seguida o
arrasar com uma sequência precisa e inclemente de murros no
estômago. Visceral, abjecta, violenta, intensa, obscena, corrosiva,
a peça é todo um desdobrar de emoções que nos confrontam com o
nosso próprio eu e nos apontam o dedo face àquilo em que nos
tornámos. Um nó na garganta e um rosto amargo e fechado são os
primeiros sintomas dum “Veneno” que alastra nas veias e corrói a
alma.
[Foto: José Caldeira / descla.pt]
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