Páginas

domingo, 7 de outubro de 2018

TEATRO: "Otelo"



TEATRO: “Otelo”
A partir de | “The Tragedy of Othello, the Moor of Venice” (1604), de William Shakespeare
Encenação | Nuno Carinhas
Versão cénica | Daniel Jonas, Nuno Carinhas e Sara Barros Leitão
Cenografia e Figurinos | Nuno Carinhas
Interpretação | João Cardoso, Maria João Pinho, Pedro Frias, Dinarte Branco, António Durães, Diana Sá, Joana Carvalho, Jorge Mota, Paulo Freixinho, Pedro Almendra
Produção | Teatro Nacional de S. João
Teatro Nacional de S. João
03 Out 2018 | qua | 19:00


Escrita por William Shakespeare, “Otelo” marca de forma auspiciosa a rentrée cultural do Teatro Nacional de S. João, no Porto. Através da peça, regressamos a Veneza, ao encontro do poderoso general mouro Otelo, da sua esposa Desdémona, do seu lugar-tenente Cássio e do maquiavélico Iago, com eles viajando mais tarde até à remota e bravia ilha de Chipre, onde a tragédia terá o seu desenlace. Uma viagem que se dirige igualmente ao fundo da obra do dramaturgo inglês, escrutinador incansável dos limites da fraqueza humana, implacável na abordagem a temas como a inveja e a traição e às suas consequências quando instaladas no coração dos homens. Uma deriva que, no limite, vai ao encontro de cada um de nós, espectadores passivos com quem Iago dialoga em privado, seguro da nossa conivência.

Tragédia do ciúme, Otelo é uma peça de construção perfeita, a psicologia do Mouro ciumento e a maldade diabólica de Iago – bem como a lógica dos acontecimentos – a conduzirem o espectador ao clima dos grandes modelos das tragédias gregas citadas por Aristóteles. Ao longo das suas quase três horas, a peça mergulha no preconceito racial e religioso, reflecte no contraste entre a realidade e as aparências, denuncia o ciúme injustificado e prova o quão tortuosa pode ser a mente humana. Se, por um lado, Iago tem o talento de perceber quais os maiores receios de Otelo, agindo sobre eles mediante a criação duma realidade que não existe, já o mouro constrói obsessivamente uma interpretação a partir de meias-verdades e insinuações, o uso retórico da linguagem a revelar-se fundamental na forma como se consolida este jogo de enganos. No final, depois de matar Desdémona, Otelo mata Otelo perante os espectadores horrorizados, a tragédia enfim consumada.

Mas a mensagem só flui intensamente e a avidez dos espectadores perante os desenvolvimentos revela-se crescente porque em palco estão grandes actores e há todo um trabalho extraordinário de encenação e de cenografia, de Nuno Carinhas, a suportá-los. Aqueles painéis que se movem, que ora se fecham sobre os espaços tornando-os irrespiráveis, ora se alinham para formar ruelas estreitas, corredores esconços, as paredes com ouvidos, constituem um artifício cénico precioso. Também o piso espelhado, a água sempre presente, imunda e estagnada ou torrencial, que tudo arrasta e lava, possui aqui um valor figurativo impactante e de enorme simbolismo. Finalmente há Iago, numa interpretação tremenda de Dinarte Branco, lobo com pele de cordeiro, a voz maviosa que esconde o desejo de vingança, exímio na arte de manipular tudo e todos - espectadores incluídos -, a sua presença a encher o palco e a valer, por si só, uma deslocação ao S. João. A peça mantém-se em cena até ao próximo domingo, 13 de Outubro, sendo obrigatória a sua visão.

Sem comentários:

Enviar um comentário