TEATRO: “Otelo”
A partir de | “The Tragedy of
Othello, the Moor of Venice” (1604), de William Shakespeare
Encenação | Nuno Carinhas
Versão cénica | Daniel Jonas, Nuno
Carinhas e Sara Barros Leitão
Cenografia e Figurinos | Nuno
Carinhas
Interpretação | João Cardoso,
Maria João Pinho, Pedro Frias, Dinarte Branco, António Durães,
Diana Sá, Joana Carvalho, Jorge Mota, Paulo Freixinho, Pedro
Almendra
Produção | Teatro Nacional de S.
João
Teatro Nacional de S. João
03 Out 2018 | qua | 19:00
Escrita por William Shakespeare,
“Otelo” marca de forma auspiciosa a rentrée cultural do Teatro
Nacional de S. João, no Porto. Através da peça, regressamos a
Veneza, ao encontro do poderoso general mouro Otelo, da sua esposa
Desdémona, do seu lugar-tenente Cássio e do maquiavélico Iago, com
eles viajando mais tarde até à remota e bravia ilha de Chipre, onde
a tragédia terá o seu desenlace. Uma viagem que se dirige
igualmente ao fundo da obra do dramaturgo inglês, escrutinador
incansável dos limites da fraqueza humana, implacável na abordagem
a temas como a inveja e a traição e às suas consequências quando
instaladas no coração dos homens. Uma deriva que, no limite, vai ao
encontro de cada um de nós, espectadores passivos com quem Iago
dialoga em privado, seguro da nossa conivência.
Tragédia do ciúme, Otelo é uma peça
de construção perfeita, a psicologia do Mouro ciumento e a maldade
diabólica de Iago – bem como a lógica dos acontecimentos – a
conduzirem o espectador ao clima dos grandes modelos das tragédias
gregas citadas por Aristóteles. Ao longo das suas quase três horas,
a peça mergulha no preconceito racial e religioso, reflecte no
contraste entre a realidade e as aparências, denuncia o ciúme
injustificado e prova o quão tortuosa pode ser a mente humana. Se,
por um lado, Iago tem o talento de perceber quais os maiores receios
de Otelo, agindo sobre eles mediante a criação duma realidade que
não existe, já o mouro constrói obsessivamente uma interpretação
a partir de meias-verdades e insinuações, o uso retórico da
linguagem a revelar-se fundamental na forma como se consolida este
jogo de enganos. No final, depois de matar Desdémona, Otelo mata
Otelo perante os espectadores horrorizados, a tragédia enfim
consumada.
Mas a mensagem só flui intensamente e
a avidez dos espectadores perante os desenvolvimentos revela-se
crescente porque em palco estão grandes actores e há todo um
trabalho extraordinário de encenação e de cenografia, de Nuno
Carinhas, a suportá-los. Aqueles painéis que se movem, que ora se
fecham sobre os espaços tornando-os irrespiráveis, ora se alinham
para formar ruelas estreitas, corredores esconços, as paredes com
ouvidos, constituem um artifício cénico precioso. Também o piso
espelhado, a água sempre presente, imunda e estagnada ou torrencial,
que tudo arrasta e lava, possui aqui um valor figurativo impactante e
de enorme simbolismo. Finalmente há Iago, numa interpretação
tremenda de Dinarte Branco, lobo com pele de cordeiro, a voz maviosa
que esconde o desejo de vingança, exímio na arte de manipular tudo e todos - espectadores incluídos -, a sua presença a encher o palco e
a valer, por si só, uma deslocação ao S. João. A peça mantém-se em cena até ao próximo domingo, 13 de Outubro, sendo obrigatória a sua visão.
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