LIVRO: “Os Amantes Tristes” /
“Los Amantes Tristes”,
de Eugenia Rico
Tradução | Marcelo Teixeira
Ed. Edições Parsifal, Maio de 2018
Quando liguei para a livraria e me
disseram que iriam receber nesse dia três exemplares de “Os
Amantes Tristes”, pedi para me reservarem um. Sensivelmente àquela
hora, Eugenia Rico apresentava publicamente o livro na Fundação
José Saramago e estaria em Ovar três dias mais tarde, para uma
muito aguardada sessão das “Conversas Úteis”. Antes de a
conhecer, queria saber algo sobre ela e a melhor forma de o descobrir
seria lendo-a. Foi o que fiz, mergulhando no romance mal cheguei a
casa. Duas horas mais tarde, tinha acabado de ler o livro. O facto de
serem pouco mais de cem páginas permite explicar algo, mas é na sua
escrita ágil, na enorme envolvência criada em torno de três
personagens tão singulares e na carga poética que se derrama de
cada linha, que reside a verdadeira causa de tamanha sofreguidão. De
tal forma que voltei a lê-lo no dia seguinte, completando a leitura
com a tomada de algumas notas que me servem, agora, de base a uma breve análise crítica deste livro tão belo.
“Os Amantes Tristes” é uma
história sobre a amizade e o amor, uma história de emoções à
flor da pele, na qual a poesia se solta de cada página, directa ao
coração do leitor. “Os gregos acreditavam que a amizade é mais
sublime do que o amor, porque apenas existia entre os homens,
enquanto o amor também pode acontecer com as mulheres, esses seres
inferiores destinados a parir”, pode ler-se a páginas tantas. Em
que medida é isto verdade, onde reside a verdade de cada leitor, iremos descobrindo ao longo do livro. Mas
esta é – acabaremos por percebê-lo - uma das frases que Eugenia Rico
elege como suporte do romance, convidando o leitor a ler para além
do que está escrito. Pode ser um livro triste – tal como o próprio
título permite intuir –, de tons baços, escuros e frios,
onde quase sempre é Inverno (e, mesmo quando o não é, chove), mas
sempre acabaremos por aquecer a alma num abraço ou num olhar, por
sentirmos um aconchego num simples aperto de mão ou numa frase
breve.
Vale a pena referir também que este é
um livro que entrega ao leitor a medida do tempo, no sentido em que a
distinção entre a manhã e a tarde, o dia e a noite, um mês e o
mês seguinte, nunca é rígida. Na forma como escreve, Eugenia Rico
viola o tempo propositada e reiteradamente. Podemos ver que, entre o
Inverno e o princípio de Março, vai “quase um ano”, como se o
tempo de cada um fosse diferente (e não o é, realmente?). Se falo
nesta questão do tempo é porque me parece importante vincar a ideia
que a escrita de “Os Amantes Tristes” é muito cinematográfica,
tanto dum ponto de vista visual como formalmente, os espaços entre
as cenas (os tempos!) deixados em branco, pedindo ao espectador /
leitor que seja ele a fazer o “trabalho de casa”. E há depois essa
imagem que abre o livro, um telefone que toca, um pedido de
auxílio do outro lado da linha, uma vida que se apresta a mudar a
partir daquele instante. No final regressaremos ao ponto de partida, o
pedido de auxílio sempre latente, nesta circularidade se percebendo
a carga cinematográfica que o livro contém.
Finalmente, gostaria de vincar a ideia que este é
também um livro de denúncia, um manifesto social que faz o
contraponto entre ricos e pobres, os que detêm o poder e os que são
alvo de todas as arbitrariedades. “Talvez o pior não aconteça e
este planeta continue a girar em condições razoáveis. Os pobres
morrerão de fome e os ricos clonar-se-ão a si próprios. Desta
forma, espera-nos um futuro ideal, sem pobreza ou fealdade. Um mundo
em que restem apenas os bonitos e os ricos. Mas então alguém terá
de servir-lhes café e terão de reinventar os pobres. Os robôs
nunca poderão substituí-los, porque não dá o mesmo gozo lixar uma
máquina que lixar um semelhante. A máquina não sofre. O outro, que
é como tu, que poderias ser tu, é o que dá a medida do teu poder e
da tua importância.” Extracto duma carta dum homem internado
compulsivamente num hospital psiquiátrico, este breve texto é o
exemplo acabado do quanto Eugenia Rico coloca nas mãos do leitor em
termos de decisão. Quem serão os loucos e por onde andarão, parece perguntar.
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