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sábado, 12 de maio de 2018

CINEMA: "Maria by Callas"



CINEMA: “Maria by Callas”,
Realização | Tom Volf
Montagem | Janice Jones
Interpretação | Maria Callas, Vittorio de Sica, Aristotle Onassis, Pier Paolo Pasolini, Omar Sharif, Luchino Visconti, Fanny Ardant (voz)
Produção | Thierry Bizot, Emmanuel Chain, Gaël Leiblang, Emma Lepers, Tom Volf
França | 2017 | Documentário | M/6 | 113 minutos
Cinema Dolce Espaço, Ovar
12 Mai 2018 | sab | 18:30


“Há duas pessoas em mim, a Maria e a Callas…”. Artista em busca do absoluto, transformada desde muito cedo em ícone à escala planetária, mulher apaixonada e que enfrentou um destino completamente invulgar, Maria Callas mostra-se na primeira pessoa, 40 anos após a sua morte, dando conta duma história de vida verdadeiramente única. Tal como expresso no título, o documentário baseia-se numa Callas a revelar a Maria que nela existe, a figura para lá do estrelato e da fama, pondo a nu as ambiguidades duma personalidade tão apaixonada quanto vulnerável.

Construído a partir de filmes pessoais em Super 8, gravações ao vivo privadas, cartas íntimas e raras imagens de arquivo a cores, “Maria by Callas” é o resultado dum trabalho de pesquisa meticuloso e duma montagem particularmente inteligente. Estamos aqui perante um documentário que encerra um momento de intimidade com a lenda e com a emoção da sua voz única, naquilo que constitui uma verdadeira imersão no universo de memórias duma figura, à época, endeusada, porque completamente inacessível. Para muitos, este é também o momento de conhecer uma cantora de ópera ímpar e cuja notoriedade permanece intocável quatro décadas após o seu desaparecimento.

Aquilo que faz de “Maria by Callas” um documentário diferente é que não se constrói sobre uma compilação de imagens de arquivo comentadas por vários especialistas e outras testemunhas, assentando antes na proposta ousada de que a única voz audível seja a da própria Maria Callas. Além dos inevitáveis trechos de concertos (que beneficiam de uma digitalização que lhes confere uma notável qualidade audio), a edição de gravações permite reunir um painel de testemunhos na primeira pessoa totalmente inéditos. Reforçando a narrativa evocativa da personagem, Tom Volf inclui no documentário excertos da correspondência pessoal da Callas, à qual Fanny Ardant empresta a voz. A natureza íntima do conteúdo dessas passagens epistolares faz com que os sentimentos da cantora sejam revelados na justa medida da sua gloriosa carreira, e tudo isto com uma enorme sinceridade à qual ninguém consegue ficar indiferente.

Com um respeito quase religioso pela Diva, o documentário tece o que é mais uma conversa privada entre a Callas e o público (suprema ironia!) do que uma lição trivial de História, no sentido didáctico do termo. Um tal mergulho no mais íntimo da cantora acaba por constituir uma experiência de cinema que não se destina a ser endereçada apenas aos seus fãs. Os contornos duma glória merecida mas agitada, as interrogações face a um público intransigente e, sobretudo, o relacionamento com os homens – e um em particular!... -, tudo está feito para que o espectador conheça melhor esta mulher, sem jamais cair na armadilha do sensacionalismo fácil ou do voyeurismo indecoroso. Ceda-se ou não ao charme e talento magnético de Maria Callas, importa reconhecer a este projecto o mérito de conseguir um delicado equilíbrio entre pudor e intimidade, revelando com exemplar justeza aquela que foi a maior estrela internacional dos anos 50 e 60.

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