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domingo, 29 de abril de 2018

VISITA GUIADA: "Rota das Padeiras"




VISITA GUIADA: “Rota das Padeiras”
Orientada por | Paulo Morgado
Organizada por | 23 Milhas e Talkie-Walkie
Casa da Cultura de Ílhavo
28 Abr 2018 | sab | 10:30 – 13:00


Depois dum primeiro ano de enorme sucesso ao encontro dos edifícios, narrativas e percursos ilhavenses, prossegue o ciclo de visitas guiadas “Olhar Por Dentro – Os Percursos da Arquitectura de Ílhavo” e que levou, na manhã de ontem, duas dezenas de participantes ao Vale de Ílhavo e à “Rota das Padeiras”. Organizado pelo projecto cultural do Município de Ílhavo, 23 Milhas, e pela Talkie-Walkie, neste caso na pessoa da Arquitecta Matilde Seabra, a Visita Guiada teve o seu enfoque menos nas características sociais ou antropológicas ligadas à moagem e à confecção de broas, padas ou folares e mais numa vertente arqueológica e geológica, acrescentando valor a um momento que se revelou extraordinariamente intenso e enriquecedor.

Orientada pelo engenheiro geólogo Paulo Morgado, esta “Rota das Padeiras” teve o seu início no interior da Casa da Cultura de Ílhavo, ao encontro do que é natural ou transformado pela mão do homem e das condições fornecidas pela paisagem geológica e que contribuíram para a sua fixação. Foi então a vez de se entrar em aspectos mais técnicos relacionados com a composição dos solos, da argila às areias, estas últimas depósitos de praias antigas e de terraços fluviais, numa altura em que o mar cobria ainda toda esta região. Com o recuo das águas do mar, surgiram as condições ideais à formação de aquíferos livres, com capacidade de reter as águas da chuva e alimentar as linhas de água existentes. A abundância de água, associada à riqueza dos solos, está na origem do povoamento desta região e das actividades de subsistência inerentes, onde se insere o aparecimento de moinhos - de água e de vento - em grande número. Esta dinâmica acaba por ser profundamente alterada ao longo dos tempos, quer pela regularização dos leitos dos rios e ribeiros e pela modificação do seu curso, quer pela captação das águas a montante para a criação de redes de abastecimento, por exemplo. E é assim que um modo de vida com raízes milenares, que moldou comunidades e se tornou relevante dum ponto de vista sócio-económico e cultural, quase desaparece de um dia para o outro, dele restando apenas vestígios que, à custa duma enorme resiliência, vão sobrevivendo à voragem dos tempos.

Foi isto que, já no terreno, os participantes na Visita Guiada puderam escutar da boca de Urbino Grave, um homem que conheceu a dura vida dos moinhos e que tem um milhão de histórias para contar. Foi com ele que percebemos o impacto que a construção das minas e a canalização da água para alimentar a cidade de Aveiro nos anos 40 criou nestas pequenas comunidades. Da revolta travada a tiro pela brutalidade da GNR às indemnizações aos moleiros e aos surtos de emigração que se lhe seguiram, sobretudo para França, é todo um desfiar de recordações, as mais das vezes amargas, que o Sr. Urbino partilha com os presentes. Feito moleiro aos 12 anos, Urbino recorda o ruído tremendo das mós que embalavam o sono e que acordavam o moleiro quando se silenciavam, em contra-ciclo com aquilo que seria o mais natural. Esfacelos tratados com folhas de nogueira cozidas, dedos arrancados pela força das mós, uma campainha a soar inadvertidamente num momento intenso de leitura do Livro de S. Cipriano, um Cristo decepado no meio da farinha, a “invasão das abóboras” ou as enguias que se apanhavam durante a limpeza das valas foram, igualmente, recordados, sem que nas palavras de Urbino Grave se sentisse lamento ou tristeza por esses tempos, mesmo que difíceis.

A visita estendeu-se a duas outras antigas azenhas, onde foi possível ver o que resta dos tempos áureos da actividade moageira nesta região e que, no Tombo das Águas de Ílhavo, datado de 1772, regista a existência de 38 moinhos de água em todo o concelho de Ílhavo, nos quais se incluem as muitas azenhas situadas no Vale de Ílhavo. Como um ciclo que se fecha, a Visita Guiada terá o seu ponto final na antiga azenha da Dona Dulce ou na Padaria da Dona Celeste, com a prova do pão doce que fez a delícia dos presentes ou a compra de padas, para mais tarde saborear. Restará referir que as actividades em torno dos Percursos da Arquitectura de Ílhavo não se esgotam nesta visita, estando já agendada para o próximo dia 26 de Maio uma incursão na urbanidade da Vista Alegre, um processo que tem o seu início em 1824 e se centra nos edifícios e equipamentos surgidos para albergar os operários da Real Fábrica de Porcelanas, fixando-se neste local com as suas famílias. Raul Lino não será esquecido!

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