VISITA GUIADA: “Rota das Padeiras”
Orientada por | Paulo Morgado
Organizada por | 23 Milhas e
Talkie-Walkie
Casa da Cultura de Ílhavo
28 Abr 2018 | sab | 10:30 – 13:00
Depois dum primeiro ano de enorme
sucesso ao encontro dos edifícios, narrativas e percursos
ilhavenses, prossegue o ciclo de visitas guiadas “Olhar Por Dentro
– Os Percursos da Arquitectura de Ílhavo” e que levou, na manhã
de ontem, duas dezenas de participantes ao Vale de Ílhavo e à “Rota das Padeiras”. Organizado pelo projecto
cultural do Município de Ílhavo, 23 Milhas, e pela Talkie-Walkie,
neste caso na pessoa da Arquitecta Matilde Seabra, a Visita Guiada
teve o seu enfoque menos nas características sociais ou
antropológicas ligadas à moagem e à confecção de broas, padas ou
folares e mais numa vertente arqueológica e geológica,
acrescentando valor a um momento que se revelou extraordinariamente
intenso e enriquecedor.
Orientada pelo engenheiro geólogo
Paulo Morgado, esta “Rota das Padeiras” teve o seu início no
interior da Casa da Cultura de Ílhavo, ao encontro do que é
natural ou transformado pela mão do homem e das condições
fornecidas pela paisagem geológica e que contribuíram para a sua fixação. Foi então a vez de se entrar em aspectos mais
técnicos relacionados com a composição dos solos, da argila às
areias, estas últimas depósitos de praias antigas e de terraços
fluviais, numa altura em que o mar cobria ainda toda esta região.
Com o recuo das águas do mar, surgiram as condições ideais à
formação de aquíferos livres, com capacidade de reter as águas da
chuva e alimentar as linhas de água existentes. A abundância de água, associada à riqueza dos solos, está na origem do povoamento desta região e das actividades de subsistência inerentes, onde se insere o aparecimento de moinhos - de água e de vento - em grande número. Esta dinâmica acaba
por ser profundamente alterada ao longo dos tempos, quer pela regularização dos
leitos dos rios e ribeiros e pela modificação do seu curso, quer pela captação das águas a
montante para a criação de redes de abastecimento, por exemplo. E é
assim que um modo de vida com raízes milenares, que moldou
comunidades e se tornou relevante dum ponto de vista sócio-económico
e cultural, quase desaparece de um dia para o outro, dele restando
apenas vestígios que, à custa duma enorme resiliência, vão
sobrevivendo à voragem dos tempos.
Foi isto que, já no terreno, os
participantes na Visita Guiada puderam escutar da boca de Urbino
Grave, um homem que conheceu a dura vida dos moinhos e que tem um
milhão de histórias para contar. Foi com ele que percebemos o
impacto que a construção das minas e a canalização da água para
alimentar a cidade de Aveiro nos anos 40 criou nestas pequenas
comunidades. Da revolta travada a tiro pela brutalidade da GNR às
indemnizações aos moleiros e aos surtos de emigração que se lhe
seguiram, sobretudo para França, é todo um desfiar de recordações,
as mais das vezes amargas, que o Sr. Urbino partilha com os
presentes. Feito moleiro aos 12 anos, Urbino recorda o ruído
tremendo das mós que embalavam o sono e que acordavam o moleiro
quando se silenciavam, em contra-ciclo com aquilo que seria o mais
natural. Esfacelos tratados com folhas de nogueira cozidas, dedos
arrancados pela força das mós, uma campainha a soar
inadvertidamente num momento intenso de leitura do Livro de S.
Cipriano, um Cristo decepado no meio da farinha, a “invasão das
abóboras” ou as enguias que se apanhavam durante a limpeza das
valas foram, igualmente, recordados, sem que nas palavras de Urbino
Grave se sentisse lamento ou tristeza por esses tempos, mesmo que
difíceis.
A visita estendeu-se a duas outras
antigas azenhas, onde foi possível ver o que resta dos tempos áureos
da actividade moageira nesta região e que, no Tombo das Águas de
Ílhavo, datado de 1772, regista a existência de 38 moinhos de água
em todo o concelho de Ílhavo, nos quais se incluem as muitas azenhas
situadas no Vale de Ílhavo. Como um ciclo que se fecha, a Visita Guiada terá o seu ponto final na antiga
azenha da Dona Dulce ou na Padaria da Dona Celeste, com a prova do
pão doce que fez a delícia dos presentes ou a compra de padas, para
mais tarde saborear. Restará referir que as actividades em torno dos
Percursos da Arquitectura de Ílhavo não se esgotam nesta visita,
estando já agendada para o próximo dia 26 de Maio uma incursão na
urbanidade da Vista Alegre, um processo que tem o seu início em 1824 e se centra nos edifícios e equipamentos surgidos para albergar os operários da Real Fábrica de Porcelanas, fixando-se neste local com as suas famílias. Raul Lino não será esquecido!
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