TEATRO: “Elizabeth Costello”,
de J. M. Coetzee
Tradução | Maria João Andrade
Direção Artística e Encenação
| Cristina Carvalhal
Interpretação | Cucha Carvalheiro, Bernardo
Almeida, Luís Gaspar, Rita Calçada Bastos, Silvia Filipe
Produção | Causas Comuns
Teatro Nacional S. João, Porto |
28 Jan 2018 | dom | 16:00
Elizabeth Costello, uma escritora no
final da vida, espera em frente ao “grande portão”. Para entrar,
tem de fazer uma declaração em tribunal sobre as suas crenças. Mas o seu argumento de que uma escritora – uma
“secretária do invisível”, diz ela, citando o poeta Czesław
Miłosz – não deve ter crenças, não é bem acolhido pelos juízes.
Na expectativa de uma segunda audiência, Elizabeth discute com
outras personagens aquilo a que prefere chamar as suas convicções,
relativamente a temas como o amor, o mal, a arte e a razão. No
entanto, quando chamada novamente a depor, evita estes tópicos solenes,
reduzindo a sua alegação à história das pequenas rãs que surgem,
na estação das chuvas, no leito do rio da sua infância.
“Tenho crenças mas não acredito
nelas”, constatação dilacerante de Elizabeth Costello na sequência da sua
muito reformulada declaração inicial, pode ser o mote desta
reflexão sobre a condição humana naquilo que nela há de convicção e dúvida. Será legitimo comparar o tratamento dado aos animais
para alimentação nos dias de hoje com os campos de concentração do Holocausto? Poderá um escritor africano ser reduzido a uma personagem figurativa
destinada a animar os tempos mortos num Cruzeiro de luxo? Como será possível convocar Eros quando o alvo das caricias orais é o sexo
inane dum moribundo? O que terá a filosofia a dizer sobre o sentir do
homem ao imaginar-se um morcego? Que valor terão as
experiências sociais em torno da “humanização” do macaco? Que relação haverá entre arte africana e um Cristo crucificado? No
incontornável convívio entre as ideias e o real, é baseada em
interrogações desta natureza que a peça se afirma, criando um
efeito de absurdo que remete para Kafka à medida que interpela o
espectador. Dos diálogos sobrará a impressão de que “acreditar
pode ser apenas a fonte de energia que se anexa a uma ideia para a
fazer funcionar”.
Transpor para o palco uma obra tão
rica e complexa foi o desafio aceite por Cristina Carvalhal e que
resulta numa peça de enorme força e sobriedade, de tal forma a encenação se mostra eficaz e os
actores são convincentes nas peles que vestem. Se é de ideias que
se trata e da sua discussão, então discuta-se. Arrebatado pela
clareza e acutilância dos diálogos e pelo vigor e empenho das personagens em palco, ao espectador não resta outra solução
que não a de tomar partido e de questionar, questionando-se. Com um
desenho cénico onde, apesar de tudo, se percebem alguns pontos
fracos (a sequência do Cruzeiro é de manifesto mau gosto), “Elizabeth Costello” tem na intensidade do texto e na
capacidade interpretativa – Cucha Carvalheiro é simplesmente
brilhante – a sua grande força. Interrogadora, provocatória, esta
é uma peça que, como poucas, coloca o espectador do lado dos
“activos”. Um excelente exercício de teatro!
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