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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

LIVRO: "O Homem Que Escrevia Azulejos"



LIVRO: “O Homem Que Escrevia Azulejos”,
de Álvaro Laborinho Lúcio
Ed. Quetzal Editores, Setembro de 2016


Há Marcel e há Norberto (ou será Lourenço?). Os tempos são os do Maio de 68 como podem ser os de Abril de 74 ou outros. Na cumplicidade do gesto e do olhar, na dialética duma certa clandestinidade mais ou menos declarada, com doze cervejas em cima duma mesa que vai fugindo para a periferia, se fundem liberdade, fraternidade e igualdade, se fundem poderes e contra-poderes, recordações dolorosas, buscas incessantes e paixões utópicas. Julio Cortázar e Johann Wolfgang Goethe espiam discretamente. Enquanto isso, Otília narra a longa história do avô João Francisco, professor de violino.

Basta um leve debruçar sobre o Prólogo e ficamos a saber ao que vamos. Nele, Álvaro Laborinho Lúcio dá conta da sua disposição em reunir, por interposta pessoa, os pedaços de vida dos seus personagens, azulejos escritos que se irão ajustando até formarem um painel. Perceber-se-á, entretanto, que de dois painéis se trata neste livro e não um, belíssimos na sua concepção embora frios na essência. Também se confirmará aquilo que os pressupostos faziam adivinhar: que cada um dos painéis, no seu todo, virá a mostrar-se maior do que a soma das partes que o compõem. Mas isso já será trabalho que se exige ao leitor, o de sentir o ténue pulsar de vida que se esconde na “argamassa” que une cada azulejo e garante ao conjunto uma instável firmeza.

Da leitura de “O Homem Que Escrevia Azulejos” sobra essa sensação de desconcerto que não se confina ao título. Sente-se que estamos perante um bom livro – uma escrita escorreita, uma narrativa forte -, mas sente-se também que falta ali algo. Creio que um menor distanciamento do escritor em relação às personagens seria capaz de mitigar a dúvida. Supostamente, tão rica matéria-prima deveria fazer vibrar mais as cordas do coração, que não tanto as da razão. Não há poesia que se derrame deste livro. O seu brilho não aquece. É belo mas é frio. Como sói ser da natureza dos azulejos!

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