LIVRO: “O Homem Que Escrevia
Azulejos”,
de Álvaro Laborinho Lúcio
Ed. Quetzal Editores, Setembro de
2016
Há Marcel e há Norberto (ou será
Lourenço?). Os tempos são os do Maio de 68 como podem ser os de
Abril de 74 ou outros. Na cumplicidade do gesto e do olhar, na
dialética duma certa clandestinidade mais ou menos declarada, com
doze cervejas em cima duma mesa que vai fugindo para a periferia, se
fundem liberdade, fraternidade e igualdade, se fundem poderes e
contra-poderes, recordações dolorosas, buscas incessantes e paixões
utópicas. Julio Cortázar e Johann Wolfgang Goethe espiam
discretamente. Enquanto isso, Otília narra a longa história do avô
João Francisco, professor de violino.
Basta um leve debruçar sobre o
Prólogo e ficamos a saber ao que vamos. Nele, Álvaro Laborinho
Lúcio dá conta da sua disposição em reunir, por interposta
pessoa, os pedaços de vida dos seus personagens, azulejos escritos que se irão ajustando até formarem um painel.
Perceber-se-á, entretanto, que de dois painéis se trata neste livro e
não um, belíssimos na sua concepção embora frios na essência.
Também se confirmará aquilo que os pressupostos faziam adivinhar:
que cada um dos painéis, no seu todo, virá a mostrar-se maior do
que a soma das partes que o compõem. Mas isso já será trabalho que
se exige ao leitor, o de sentir o ténue pulsar de vida que se
esconde na “argamassa” que une cada azulejo e garante ao conjunto
uma instável firmeza.
Da leitura de “O Homem Que Escrevia Azulejos”
sobra essa sensação de desconcerto que não se confina ao título.
Sente-se que estamos perante um bom livro – uma escrita escorreita,
uma narrativa forte -, mas sente-se também que falta ali algo. Creio
que um menor distanciamento do escritor em relação às personagens
seria capaz de mitigar a dúvida. Supostamente, tão rica
matéria-prima deveria fazer vibrar mais as cordas do coração, que não tanto as da razão. Não há poesia que se derrame deste livro. O seu brilho não aquece. É belo mas
é frio. Como sói ser da natureza dos azulejos!
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