LIVRO: “De zero a dez”,
de Margarida Fonseca Santos
Ed. Clube do Autor, Abril de 2014
Tentei desfazer-me da condição
de Enfermeiro ao ler “De zero a dez”. Encontrei, logo nas páginas
iniciais, testemunhos do quotidiano que me são próximos e procurei distanciar-me deles. Talvez quisesse perceber até que ponto o livro
era dirigido a um público-alvo mais vasto, que não apenas aquele
que, directa ou indirectamente, lida com a doença (doentes,
profissionais de saúde, famílias, amigos mais chegados). De boas
intenções está o inferno cheio e o esforço revelou-se inútil,
mas daí não vem qualquer mal ao mundo. Poderei ter prestado mais
atenção aos aspectos técnicos, admito ter achado algumas passagens
desinteressantes e mesmo lamechas, mas a vida não é só empolgamento. E,
depois, senti alguns abanões do género “ora aqui está uma coisa
que sabes que é assim, mas da qual por vezes te esqueces”. E isso
tenho de agradecer à Margarida Fonseca Santos.
“De zero a dez” remete para a
Escala de Dor, uma ferramenta usada para “medir” a dor e o
desconforto causados pela doença e a forma como são percepcionados
por cada pessoa. Falar numa dor “9 em 10” significa estar às
portas do insuportável, enquanto “1 em 10” revela que a dor
praticamente não existe. É deveras interessante a forma como a
escritora intitula cada capítulo, começando pelo “9 em 10” e
decrescendo à medida que o livro avança. As personagens são as
mesmas, a doença é a mesma, a agudização da doença continua a
acontecer a espaços, mas o desconhecimento e a dúvida, a raiva
contra a doença e a auto-comiseração, tão presentes nesse
primeiro capítulo, vão cedendo espaço ao auto-controlo, ao domínio da doença e das
crises a ela associadas, a isso não sendo indiferentes o médico
certo, o patrão certo, o companheiro certo, os amigos certos. As ajudas certas.
Narrado a várias vozes, “De zero
a dez” é também um convite ao leitor a que meça o seu grau de
conforto face aqueles que o rodeiam e que, tantas vezes sem o
revelarem, precisam de ajuda. De forma subtil, Margarida Fonseca
Santos abre o leque dos pequenos-nadas, sinais de alerta que podem
significar pedidos de ajuda, aos quais importa estar atentos.
Somatório de experiências pessoais, o livro pode ser visto como um
guia para lidar com a Artrite Reumatóide e outras doenças
degenerativas. Tanto mostra o que de errado há em reduzir, por
iniciativa própria, as doses de medicação, como indica o nome das
associações que existem e que podem constituir uma ajuda preciosa.
Tanto “mexe” no Código do Trabalho como lembra que, apesar da
doença, a vida continua. E fá-lo de maneira simples e
particularmente eficaz.
Os exemplos de Leonor e a forma como
se articula com as pessoas mais chegadas fornecem pistas importantes, não apenas para quem sofre da doença, mas também para os
profissionais de saúde, os familiares e amigos. E sendo esta é uma
doença que, como tantas outras, não se faz anunciar, o leque de
destinatários de livro acaba por não excluir ninguém. Porque as
coisas não acontecem só aos outros!...
Agradeço-lhe imenso a sua visão sobre este livro. Foi uma grande viagem escrevê-lo, e uma dor adicional entender que tantas pessoa continuam enredadas numa iliteracia da doença (tanto doentes como familiares e, de forma gritante, colegas de trabalho), e como a doença pode ser quase invisível para os outros. Entrevistei muitos doentes, médicos, enfermeiros, familiares, terapeutas vários e, no fundo, ele é uma manta de retalhos das vidas daqueles que ouvi. Sinto uma profunda gratidão por ter ouvido contar, algumas vezes, partes da minha vida (afinal, não eram só da minha vida) e tantos relatar, como profissionais de saúde, o muito que ainda é preciso fazer para educar o doente e a família. Espero ter dado uma ajuda. Um grande abraço
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