LIVRO: “Biografia Involuntária
dos Amantes”,
de João Tordo
Edição | Clara Capitão
Ed. Alfaguara, Abril 2014
Conseguimos ver nesta “Biografia
Involuntária dos Amantes” uma fábula da condição humana,
naquilo que contempla de mais precário. Com minúcia de
detective, João Tordo faz-nos seguir no rasto uns dos outros, dando a
ver os nossos próprios passos, incertos, hesitantes, atabalhoados,
ao encontro de amores desencontrados, sonhos frustrados, existências
perdidas. Peões num tabuleiro de linhas tortas e quadrículas
imperfeitas, navegantes sem norte nas mãos da fortuna, somos
convidados a jogar o jogo do Eu na descoberta do que fomos, de quem
somos.
É na mó de baixo que vamos
encontrar as duas personagens principais deste livro, dois homens
tomados pelo desânimo, descrentes de si mesmos e do mundo que os
rodeia. Cedo compreenderemos que esta condição de miséria interior
só em parte é sobreponível a ambos, já que um deles perdeu-se em
absoluto de si mesmo, cabendo ao outro resgatá-lo (e resgatar-se).
Em busca da redenção, mergulhamos num universo subversivo habitado
por uma mulher, ao mesmo tempo frágil e forte, revelando a sua
faceta obscura, destruidora, fatal.
Na complexidade das personagens e
nas suas motivações dificilmente escrutináveis, reside o fascínio
deste livro. Nesta anatomia do pesadelo, João Tordo não depura ou
concentra para chegar à fórmula perfeita, aquela que responde aos
problemas de todos e de cada um; antes abre, expande e explora
sensações, sem medo de cair em excessos. O romantismo chega a
parecer ridículo, a perversão é uma comédia, o sexo é violento.
As paixões derramam-se no fio da navalha. Tudo é incerto, inesperado. Como
um javali que corre para a morte, ao encontro dum carro a grande
velocidade em plena auto-estrada.

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