EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “A alma do
papel”,
de Ana Maria Pintora
Museu do Papel Terras de Santa
Maria, Paços de Brandão
25 nov > 30 dez 2017
Detemo-nos naquelas folhas de papel
grosseiramente talhadas, nas linhas tão minuciosamente desenhadas
que percorrem as suas veias, naqueles traços muito finos que se
juntam para mostrar paisagens, nas letras que se alinham para contar
histórias e é impossível não a vermos lá em baixo, a seguir o
curso do rio e aquela brancura... ou deitada na relva, o olhar fixo
no céu azul, embalada pelo cantar das águas e dos pássaros. Quando
cerra os olhos, é capaz de ver, com toda a nitidez, as mulheres que
ali lavavam os vestidos, as calças, as camisas e os lenços brancos
de algodão e linho. Também um pintor de pedras que às vezes
pintava ovelhas, outras desenhava cabritos, outras vezes ainda
pintava abelhas a esvoaçar ou entretinha-se a conversar com outras
borboletas. E ainda uma casa de palavras, um depósito de ideias, uma
cabana biblioteca onde ficarão guardadas as memórias mais
temperadas da vida. Por fim, levanta-se, qual Zéfiro enciumado e
rendido. E, regressando aos seus escritos, às suas pinturas e
desenhos, volta a mergulhar na alma do papel.
É impossível falar de “A alma do
papel” - exposição da pintora Ana Maria que, desde o passado
sábado, está patente no Museu do Papel Terras de Santa Maria, em
Paços de Brandão -, sem falar do próprio museu, do seu significado
e beleza. Para quem não conhece, este museu monográfico, primeiro
do género dedicado à História do Papel no nosso País, tira
partido do espaço de duas antigas fábricas de papel do início do
século XIX, convivendo com o curso da ribeira de Riomaior, que ali
corre veloz no fundo das rochas escavadas numa pedreira. É um espaço
de calma e serenidade, pautado pelo doce cantar das águas e pelo
sussurro dos ventos, tão diferente daquilo que terá sido outrora,
quando a produção do papel correspondia a um trabalho de enorme
dureza, pouco lucrativo e que, em muitos casos, se encontrava
dependente da existência ou não de água nos cursos dos rios. E
este aspecto é tanto ou mais importante quanto sabemos que o
conjunto de trabalhos expostos resulta da residência artística de
Ana Maria neste espaço. Um espaço de criação, com o qual a
artista se envolveu para produzir obra e cuja matriz é o próprio
papel. Um suporte frágil e delicado, caprichoso. E em cuja alma se encerram segredos por desvendar.
Numa simbiose perfeita entre espaço e
objecto artístico, “A alma do papel” é um convite ao sonho e ao
encantamento. Cada folha daquele papel, grosseira, irregular, conta
uma história, que a delicadeza do traço apenas sublinha. São
poemas visuais, os trabalhos da pintora Ana Maria. Poemas com poemas
dentro. Que falam de rapazes e de velhas, de primaveras e jacintos
brancos, de planetas azuis e árvores com motores que sugam a água da terra, de sementes de algas pequeninas verdes azuis e de uma
princesa Niúka Maior. E assim falando, espalham o eco das suas
palavras entre as Casas do Lixador e do Espande, ouvindo cantar o
moinho de galgas, a pila holandesa e a roda do maxão e vendo nascer
a primeira folha de papel no Engenho da Lourença.
A princesa Niúka morreu,
mas a mina guarda a Alma do Papel e
Nós
agora,
também!
Muitos parabéns por esta apresentação deliciosa, também poética, da exposição patente no Museu do Papel.
ResponderEliminarVivemos num país delicioso, mas onde a
cultura ainda não anda de mãos dadas com as pessoas; são, pois, necessários acontecimentos como este, extremamente bem organizados e a denotarem uma ‘alma’ especial, que devem merecer a reflexão por parte dos nossos educadores e, principalmente, dos nossos políticos. Parabéns Ana, pelas tuas capacidades superiores, parabéns Museu do Papel por acolher uma das mais notáveis artistas do nosso país.
lá fomos, eu e sofia, no sábado, a meio da tarde, museu do papel, à procura da alma do dito.
ResponderEliminarquando entrámos no museu a alma do papel começava a se desenrolar...
depois... depois, até às 19h00, percorremos as entranhas do museu até chegarmos ao engenho da lourença – como eu gosto da palavra engenho ! particularmente aqui aplicada, à laia de moinho, ligada à água e ao seu movimento... e lourença, que nome, tão nosso, tão belo !
a travessia do espaço aberto, ao cair da noite, suave a temperatura, bela a luminosidade e a água, a água a correr, a corrente da água, a transparência...
ali, a paragem para os “recados” e para o jacinto que a ana plantou com uma colher.
e no papel, o tal da alma, as histórias, a pintura, as cores, as formas sugeridas, percorridas de letras, letras pequeninas, desenhadas numa procura de perfeição... outras formas e nas formas a memória
e no papel, no papel que já não é papel mas obra de arte, a arte de expor, de mostrar, não é menor arte...
as folhas de papel esvoaçam, pendem, tocam-nos a sensibilidade, falam connosco de alma para alma, plenas da luz que iluminou as mãos que as trabalharam...
uma viagem de encantamento a terminar num espectáculo de profundo intimismo em sonoridades
harmónicas de cordas de violino e expressões corporais à luz da sucessão de colorações desenhadas nas pinturas da ana num cenário surreal de tão real. e tudo exsudando envolvimento total em que a espontaneidade fluía no rigor do afecto
gaiolo, 26 nov 2017