TEATRO: “Canas 44”
Direção artística | Victor Hugo Pontes
Dramaturgia | Victor Hugo Pontes, com textos de Maria Gil e Fernando Giestas
Espaço cénico | Henrique Ralheta
Interpretação | Leonor Keil e Rafaela Santos
Criação | Amarelo Silvestre
Co-produção | Amarelo Silvestre, Nome Próprio, TNDM II, Centro de Arte de Ovar, Câmara Municipal de Nelas
Centro de Arte de Ovar
28 Out 2017 | sab | 22:00
Há uma mulher que parte. Uma entre muitos que, desencantados, derrotados, exaustos, partiram já em busca de mais futuro. E há uma outra que resiste, embalada no sentimento romântico do apego à terra e acreditando que talvez ainda valha a pena. Mas tão desanimada e exausta quanto a outra. Elas são Leonor e Rafaela, o lugar Canas de Senhorim. Poderiam ser quaisquer outras pessoas, num qualquer outro lugar deste “País em vias de extinção”.
Em redor das vivências e memórias das duas protagonistas, constrói-se todo um universo que recupera gentes e modos de vida, já desaparecidos ou em vias de o ser. Canas de Senhorim será sempre as minas de urânio a 500 metros de profundidade, o pó e as chuvas de cinzas constantes, as mulheres em casa e os homens na taberna, a beber - porque “quem não bebe é maricas”. Canas será sempre o Carnaval, as cameleiras e magnólias que atapetam as entradas das casas, a gente da terra e a gente de fora, gente “achadiça”. E será ainda e sempre a loja da D. Idalécia, dos incêndios que ceifam vidas, da prostituta que lia Isabel Allende ou do velho que nunca se esquecia de devolver o dinheiro emprestado.
“Canas 44” é possuidor dum texto ríquíssimo naquilo que evoca, tem duas protagonistas convictas da sua dupla identidade enquanto pessoas e atrizes e, nessa medida, empenhadas e honestas, e tem um cenário inteligentemente desenhado, cuja circularidade acentua a ideia de que, por mais que se corra, nunca se sai do sítio (o mais que se consegue é levantar poeira, que as máscaras oferecidas ao público, à entrada para o espetáculo, para alguma coisa haverão de servir). A verdade é que isto não chega para fazer um bom espetáculo. Há uma falta de fluidez na forma como o texto se desenvolve, tornando-o de difícil leitura, desconexo. Há um fio condutor que ora o é, ora deixa de o ser, como que atacado por uma “dislexia artística” que baralha e confunde o espectador. E há ainda uma tentativa de aproximação à dança que, enquanto linguagem, é um falhanço, tal a falta de segurança das atrizes no domínio desta arte.
Admirador confesso da Amarelo Silvestre - “O que é que o pai não te contou da guerra?” ou o sublime “Museu da Existência” são duas referências ao nível do que de melhor se tem feito em teatro em Portugal nos tempos mais recentes -, é com mágoa que classifico "Canas 44" como uma peça menor. Resta, enfim, a honestidade da proposta, o que não será de somenos; mas que não chega para apagar um certo sabor amargo.
[Foto: Nélson Garrido / publico.pt]

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