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sexta-feira, 15 de agosto de 2025

LIVRO: "Gaza Está em Toda a Parte" | Alexandra Lucas Coelho



LIVRO: “Gaza Está em Toda a Parte”,
de Alexandra Lucas Coelho
Fotografias | Alexandra Lucas Coelho
Ed. Editorial Caminho, Maio de 2025


“Os EUA apoiam os bombardeamentos para pressionar o Hamas. A UE segue incapaz de qualquer sanção a Israel. Centenas de milhares em Gaza são outra vez expulsos de várias zonas. Israel ameaça anexá-las, cria um ‘Gabinete de Emigração Voluntária’, impede toda a entrada de ajuda há um mês. A fome alastra, os hospitais estão cheios de corpos. Dezenas de crianças voltam a ser amputadas sem anestesia. Os mortos ultrapassam 50 mil. A estimativa incluindo desaparecidos é acima de 60 mil, segundo as autoridades de Gaza. E muito acima disso no último estudo da revista científica The Lancet (só até Outubro de 2024, 70 mil mortos). Mais 110 mil feridos, dois milhões de deslocados, a razia de um território, com o seu património de milénios. Um genocídio em directo - e em curso - que a imprensa de fora continua a não cobrir. O maior apagão na história do jornalismo. O colapso humano.”

“Numa altura em que paira no ar a ameaça de reocupação da Cidade de Gaza, novos bombardeamentos israelitas voltaram a atingi-la na madrugada desta quarta-feira, com tanques e aviões a matarem pelo menos doze pessoas”. A notícia é de anteontem, mas podia ser do início do mês, do início do ano, de um qualquer dia de 2024 ou de há uns minutos apenas. O teor, desgraçadamente, é sempre o mesmo; o que varia é a expressão dos números, acrescentando a cada novo dia mais devastação e horror ao território de Gaza e aos seus habitantes. Há quase dois anos que as atrocidades não cessam de aumentar, contando-se até ao momento, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, mais de 61 mil mortos, incluindo pelo menos 18.000 crianças, e 151 mil feridos. Cesarianas e membros amputados a crianças sem anestesia, desnutrição aguda grave de toda a população, detenções arbitrárias sem culpa formada, deslocamentos forçados e constantes, falta de segurança, de serviços básicos ou de abrigos, jornalistas e médicos mortos ou detidos e um sistema de ajuda humanitária em colapso deixam no ar uma questão muito simples: Como é possível sobreviver nestas condições?

Este livro é a reafirmação daquilo que Alexandra Lucas Coelho nos vem dizendo desde “Oriente Próximo” e que estendeu aos magistrais “E a Noite Roda” e “Líbano, Labirinto”. Ou seja, que Gaza está em toda a parte. Está naquela terra esventrada pelas bombas onde vivem quase dois milhões de pessoas, das quais dois terços dependem da ONU desde há gerações; como está nos milhares de judeus americanos que ocuparam a Grand Central Station de Nova Iorque com t-shirts onde se podia ler “não em nosso nome”. Está na ruidosa e bruxuleante noite dos milhares de geradores roncando e das telas digitais que também fazem de lanterna, único ponto de fuga para cada palestiniano; como está na clara e corajosa mensagem de António Guterres nas Nações Unidas em que afirmou que a destruição em massa de Gaza é intolerável e deve parar. Está numa Europa refém da culpa do Holocausto desde a Segunda Guerra Mundial; como está na vala comum onde Israel pretendeu esconder quinze paramédicos executados de forma sumária. Está na mesa à roda da qual se reúne a família Tamimi sem saber se aquela será a sua última refeição; como está no drone assassino que se abateu sobre uma tenda nas imediações do Hospital Al-Shifa, ceifando a vida a seis jornalistas às primeiras horas do passado domingo.

“Gaza Está em Toda a Parte” abre no interior de uma cidade onde os jornalistas estão impedidos de entrar desde o 7 de Outubro e termina com um texto intitulado “A vossa vala comum: Carta aos governantes do país e da Europa onde nasci”. Reportagens, crónicas, alguns textos nunca publicados, 148 fotografias a cores, quase todas inéditas e notas de rodapé ajudam a contextualizar alguns dos assuntos abordados; há também actualizações, referências, mapas e fontes. Mas é o dedo de Alexandra Lucas Coelho a escarafunchar fundo nas feridas do genocídio que marca a leitura e faz de cada capítulo um potente murro no estômago. A cronologia dos factos tem na contagem actualizada de mortos e feridos do lado palestiniano um elemento impressivo e que impede o leitor de se alhear do que está a acontecer no preciso momento em que pousa o olhar numa nova página. De um lado Masha Gessem, Ilan Pappé, Francesca Albanese, Mahmoud Darwish, Etty Hillesum, o Papa Francisco ou o Tribunal Penal Internacional. Do outro as políticas belicistas e expansionistas de Trump e Biden, Órban e Ursula von der Leyen, e de todos aqueles que vergam a espinha ante o sionismo, “esse fruto monstruoso do monstruoso anti-semitismo europeu.” De um lado a coragem palestiniana. Do outro o poço sem fundo da vergonha que pesa sobre a Humanidade.

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