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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

EXPOSIÇÃO: “Não Confundir um Tijolo com uma Obra de Arte” | Albuquerque Mendes



EXPOSIÇÃO: “Não Confundir um Tijolo com uma Obra de Arte”,
de Albuquerque Mendes
Curadoria | Gonçalo M. Tavares
Galeria Municipal de Matosinhos
10 Mai > 24 Ago 2025


Numa altura em que está a chegar ao fim a exposição de Albuquerque Mendes, é absolutamente urgente falar dela, na medida em que representa uma das mais fascinantes mostras de pintura de um ano, ele próprio, em contagem decrescente. Com curadoria de Gonçalo M. Tavares, a mostra reveste-se de particular significado, não só por ser a primeira vez que Albuquerque Mendes expõe na Galeria Municipal de Matosinhos, mas também por concretizar um desejo antigo de dar corpo a uma exposição que reflecte a forte ligação do criador à cidade. Desde os anos 1990, altura em que se mudou do Porto para Leça da Palmeira, e mais tarde para um atelier na rua de Brito Capelo, em Matosinhos, a obra de Albuquerque Mendes tem vindo a ser profundamente influenciada pelo território e pelas vivências locais. A ligação à cidade e ao mar está patente em muitos dos seus trabalhos de forma viva e constante, moldando temas, materiais e abordagens estéticas. Através da sua arte, Albuquerque Mendes empenha-se em dar voz a uma cultura local que, embora específica, tem uma ressonância universal na forma como identidade, território e memória são abordados.

De um ponto de vista conceptual, esta influência é flagrante nos quadros que ocupam uma parte da primeira sala de exposições. À medida que vamos percorrendo as restantes salas e mergulhando no universo do pintor, vários outros motivos vão prendendo a nossa atenção. O desenho, a cor e o gesto fluem de forma livre, envolvendo as obras num intimismo inesperado, mas mantendo em aberto uma multiplicidade de interpretações no que encerram de inquietação, ambiguidade, tensão, surpresa e espanto. Ao lugar junta-se o corpo e o rosto, intensamente expressivos, de uma estranheza quase irreal nos seus erros e imperfeições. Em particular os auto-retratos revelam as muitas faces do humano, no que têm de seriedade e discrição, mas também de provocação e fingimento. Neles se afiguram as inquietações do pintor, o seu olhar sobre o sofrimento, o erotismo, a religiosidade ou a morte. A questão da religiosidade é mesmo uma das linhas de força mais consistentes no conjunto de obras apresentadas, as imagens e códigos da iconografia católica — procissões, santos, vestes, cruzes — recriados com ironia, os cerimoniais e símbolos respeitados e postos em causa em simultâneo.

A obra de Albuquerque Mendes é ao mesmo tempo íntima e política, expressiva e crítica, teatral e ritualística. O artista encara de frente as tensões sociais e culturais que conformam a nossa sociedade, devolvendo esse olhar com uma linguagem contemporânea e profundamente pessoal. Não é um artista de “escola” ou de “movimento”. É um solitário inquieto, com uma obra que desafia convenções estéticas e morais — usando o corpo, o sagrado, o grotesco e o desejo como ferramentas de confronto e revelação. Acompanhando um percurso artístico de mais de meio século, “Não Confundir um Tijolo com uma Obra de Arte” concentra-se, sobretudo, no trabalho de Albuquerque Mendes ao longo das últimas três décadas, traduzindo a densidade, originalidade e ousadia da sua linguagem artística. Figura incontornável da arte contemporânea portuguesa, Albuquerque Mendes nasceu em Trancoso, em 1953. Autodidata, destacou-se desde cedo no cruzamento entre pintura, colagem, performance, teatro e encenação. Numa altura em que a Galeria Municipal de Matosinhos está a comemorar o seu vigésimo aniversário, eis um extraordinário pretexto para celebrar a arte e os seus criadores. Para ver só até 24 de Agosto.

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