“Quem molda a cena artística portuguesa? O que impulsiona estes artistas — suas questões, preocupações, materiais e modos de produção? O que significa trabalhar em Portugal hoje? Quais são as vantagens e limitações desse contexto? Que prazeres e traumas um artista traz em sua identidade e/ou vínculo territorial com o país? Quantos Portugais existem em Portugal? Os artistas que vivem nas ilhas dos Açores e da Madeira têm as mesmas oportunidades que aqueles que vivem em Portugal continental? É possível ter uma carreira consistente sem se mudar para grandes cidades como Lisboa e Porto?”
O Panorama da Arte Contemporânea Portuguesa é uma nova iniciativa da Galeria Municipal do Porto. Inspirado no Panorama da Arte Brasileira, o projecto ambiciona apresentar com regularidade um recorte da produção contemporânea em Portugal. Outro objetivo é fortalecer a visibilidade da cena artística portuguesa através de colaborações com figuras da curadoria internacional. Para esta primeira edição a escolha recaiu em Hiuwai Chu e Raphael Fonseca, curadores com uma ampla experiência e activos em territórios como a Espanha, o Brasil e os Estados Unidos da América. “Lúcido Devaneio” é um fragmento visível de um projeto muito maior de interacção com a cena artística portuguesa, dando a ver o trabalho de um conjunto de artistas com práticas fortes e consistentes, mas que permanecem pouco reconhecidas internacionalmente. O que se vê nesta exposição é apenas uma pequena parte de um processo mais amplo: uma constelação de obras que atravessam gerações, disciplinas e meios. São designados por fragmentos, porquanto o cerne do projecto reside no que permanece invisível — as inúmeras visitas dos curadores a estúdios e as conversas com artistas que ressoam para lá da exposição.
O grupo de artistas apresentado é uma das múltiplas selecções possíveis e resulta dos interesses combinados dos curadores, explorados ao longo de cerca de um ano de pesquisa. O conjunto de vinte participantes ilustra a vitalidade e diversidade da cena artística nacional, traduzida no título poético e paradoxal da exposição. Este é o resultado de uma jornada que teve início no Porto, no final de abril de 2024, com inúmeras visitas a exposições em museus, galerias, festivais e espaços independentes, e conversas com curadores, mas, acima de tudo, com cerca de uma centena de artistas. Da profícua troca de ideias foi possível construir uma compreensão em primeira mão, muito peculiar e assimétrica, do panorama artístico contemporâneo, trabalhando desde o chão o entendimento do que está a fermentar na parte ocidental da Península Ibérica. Artistas nascidos, criados e que continuam a trabalhar em Portugal, artistas de outros lugares que fizeram de Portugal o seu lar e artistas portugueses que vivem no exterior e que mantêm fortes ligações à sua terra natal, a representação é diversificada nos interesses existenciais que a cercam, e permite reflectir sobre o porquê de alguém poder ainda criar imagens no presente.
São de Ana Vidigal, André Sousa, Andreia Santana, Belén Uriel, Dayana Lucas, Francisco Trêpa, Gonçalo Sena, Ilídio Candja, Joana Escoval, João Gabriel, João Pedro Vale + Nuno Alexandre Ferreira, Mané Pacheco, Mariana Caló & Francisco Queimadela, Sara Bichão, Sara Chang Yan, Silvestre Pestana, Sofia Borges, Teresa Murta, Tiago Madaleno e Tiago Mestre as obras que podem agora ser vistos na Galeria Municipal do Porto. Além de apresentar os trabalhos em si, a montagem da exposição privilegia a sua sobreposição, abrindo espaço ao diálogo em matéria de história e memória, corpo e lugar. No seu conjunto, os trabalhos desta vintena de artistas abre perspectivas que jogam de diferentes maneiras com um certo sentido de metamorfose e ficção. Em retrospectiva, as suas práticas artísticas quase nunca deixam clara uma “identidade portuguesa”, seja lá o que isso for, respondendo à falácia de qualquer projecto curatorial com abordagem nacional. É vendo a exposição que essa percepção surge como um “devaneio lúcido”, resultado talvez inesperado de um exaustivo processo de pesquisa curatorial, pronto para instalar no visitante um sentimento de ambiguidade, dúvida e inquietação.
[Baseado no texto curatorial inserto na Folha de Sala da exposição, em https://www.galeriamunicipaldoporto.pt/ficheiros/eventos/GMP_LcidoDevaneio_FolhaSala_web.pdf]
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