CONCERTO: Pedro Abrunhosa
Centro de Artes de Ovar
13 Jun 2025 | sex | 21:30
“ (…) A canção não pode continuar a ser apenas entretenimento. Tem de questionar. Já não há lugar para romantismos. Para ilusões.”
Pedro Abrunhosa
Na ressaca dos concertos que celebraram os 30 anos do álbum “Viagens” e que esgotaram o Pavilhão Rosa Mota e a Meo Arena em finais do ano passado, Pedro Abrunhosa regressou a Ovar trazendo na manga alguns dos sucessos desse álbum de estreia, a par com muitos outros que percorreram a quase totalidade da sua discografia e são a demonstração da sua genialidade como compositor, letrista e comunicador. Em Ovar, num Centro de Artes há muito esgotado, o artista começaria por saudar o público, afirmando ser a sua presença “o maior tributo à cultura portuguesa”. Uma cultura que, referiria, “nunca foi tão importante para defender a soberania, a democracia e, sobretudo, a paz.” E foi sob o signo da Paz que o concerto decorreu, com a música a carregar consigo mensagens onde as palavras “paz”, “luz” e “amor” foram signos e símbolos de um enorme momento: Íntimo, profundo, intenso, vivo, espiritual. Com Cláudio Souto na direcção musical e nos teclados, Bruno Macedo na guitarra, Miguel Barros no baixo, Pedro Martins na bateria e Patrícia Antunes e Patricia Silveira nos coros, o artista levou o público por caminhos de comunhão e partilha, dando e recebendo em igual medida, falando desta cumplicidade como uma experiência maravilhosa: “Venho aos concertos para vos ouvir”, afirmou, sob uma chuva de aplausos.
“A.M.O.R.”, do álbum “Contramão” (2013), foi a pedra de toque de um concerto que gritou bem alto contra a ignorância, a intolerância, a violência de género, os crimes de ódio, todas as barreiras que se erguem em função de raças, credos ou ideologias diferentes. Porque importa não esquecer, “Balada de Gisberta” falou dos mais fracos dos fracos, para dizer que “o amor é tão longe / e a dor é tão perto”. Num arranjo contido, “É preciso ter calma” pediu “olhar” para dar “amor” e “Não te ausentes de mim” clamou “que a tua luz se acenda em mim”. “Leva-me p’ra casa” fechou um ciclo de canções de tom intimista, ao longo dos quais o músico se manteve ao piano e sobressaíram os acordes da guitarra de Bruno Macedo. Com direito a “falsa partida”, “Fazer o que ainda não foi feito” teve o condão de pôr o público a soltar a voz, “somos um beijo que demora / porque amanhã é sempre tarde demais”. Tarde demais, “sobretudo para as coisas importantes como a paz, talvez a coisa mais importante das nossas vidas, a paz que eu quero celebrar hoje”, disse Pedro Abrunhosa, enquanto a palavra, gigante, se acendia no ecrã. As canções seguintes mantiveram o cariz celebratório e, tanto “Se eu fosse um dia o teu olhar”, quanto “Vem ter comigo aos Aliados”, voltaram a ter no público um interlocutor privilegiado, a paz e o amor sempre presentes.
Num recuo a 1995, ao álbum “F” e a esse incontornável “Talvez foder”, o músico lembra “os mortos em Gaza, os feridos em Israel, os fascistas em Lisboa e em Moscovo”, e pergunta: “E tu e eu o que é que temos que fazer? (talvez foder)”. Talvez valha a pena parar para pensar naquilo que foi um gesto de rebeldia mas que, há 30 anos, já falava de Gaza, que“foder” é uma obscenidade mas “mais obscenas são as bombas a cair sobre as crianças, sobre os hospitais. Obsceno é aquilo que está a acontecer, este genocídio terrível sobre o povo palestiniano e que nos envergonha a todos”, afirmou Abrunhosa. E, lembrando acontecimentos recentes - “nazis que em Lisboa e no Porto espancam barbaramente pessoas que apenas tentam ajudar” -, o artista exortou a que “não façamos silêncio para que a violência não se torne normal: O silêncio é a porta aberta ao caos, é a morte da democracia.” A canção seguinte foi, ainda e sempre, de celebração de um mundo mais justo, livre e fraterno, no qual “ainda há fogo dentro / ainda há frutos sem veneno / ainda há luz na estrada”, e foi também uma primeira oportunidade (haveria mais) para perceber as vozes fantásticas de Patrícia Antunes e Patrícia Silveira.
De Leonard Cohen ouviu-se “Hallelujah” e prestou-se homenagem ao Papa Francisco, na certeza de que “ninguém sai de onde tem paz” e “nenhum de nós pode considerar-se cristão e fechar os olhos a esta tragédia”, disse Pedro Abrunhosa, referindo-se à atitude genocida de Israel sobre a Palestina. A caminhar para o final do concerto, escutaram-se dois temas do álbum “Viagens” - “Não Posso Mais” e “Socorro” -, a que se seguiu um “medley” que incluiu temas dançáveis dos Bee Gees, dos “The Animals” e de Janis Joplin (Bob Dylan também já por aqui tinha passado) e se passearam, de mãos dadas, o country e o reggae, a folk e o hip-hop, o gospel e os blues, o tradicional e o erudito. “Ilumina-me” foi o culminar de um concerto cheio de luz, mas que não se ficaria por aqui. De uma generosidade sem limites, o cantor voltaria ao palco, primeiro sozinho e depois, de novo, com a banda, para interpretar mais quatro temas, começando por “Eu não sei quem te perdeu”. Completamente rendido, o público acompanhou o cantor no mais belo dos refrães, “e uma asa voa / a cada beijo teu / esta noite / sou dono do céu”. Seguiram-se “Para os braços da minha mãe” e “Lua”, para tudo terminar com o belíssimo “Tudo o que te dou”, também do álbum “Viagens”, e que nos deixa com uma muito bela imagem: “Pára, recomeça, faz-me acreditar”. Aleluia!
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