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quarta-feira, 18 de junho de 2025

CINEMA: "Pecadores"



CINEMA: “Pecadores” / “Sinners”
Realização | Ryan Coogler
Argumento | Ryan Coogler
Fotografia | Autumn Durald Arkapaw
Montagem | Michael P. Shawver
Interpretação | Michael B. Jordan, Hailee Steinfeld, Miles Caton, Saul Williams, Andrene Ward-Hammond, Jack O'Connell, Tenaj L. Jackson, Dave Maldonado, Aadyn Encalarde, Helena Hu, Yao, Sam Malone, Li Jun Li, Delroy Lindo, Jayme Lawson, Percy Bell
Produção | Ryan Coogler, Zinzi Coogler, Sev Ohanian
Estados Unidos | 2025 | Terror, Drama, Thriller | 137 Minutos | Maiores de 16 Anos
UCI Arrábida 20 – Sala 3
17 Jun 2025 | ter | 16:10


“Pecadores” é a história de um legado — cultural, familiar e espiritual. Os irmãos gémeos Smoke e Stack Moore, endurecidos pelo serviço militar na Primeira Guerra Mundial e pelo tempo que passaram a percorrer as implacáveis ruas de Chicago, regressam a casa com uma ideia ambiciosa em mente: Montar uma boite que possa oferecer a melhor bebida, as melhores mulheres, a melhor música. Na pátria dos blues, a cidade que vão encontrar, porém, está longe de ser a que deixaram. Talvez tenha mudado, simplesmente, ou talvez só agora esteja a revelar a sua verdadeira face, abrigando, em estreita convivência, um profundo ódio racial, feridas não cicatrizadas e algo muito mais sombrio à espreita imediatamente abaixo do solo. O que começa como uma história de reconstrução — uma serração convertida, por uma noite, numa sala que é como que um farol para a alegria e a resiliência negras —, transforma-se numa descida angustiante aos infernos. O horror afirma-se na percepção de que o mal pode assumir muitas formas: segregação, violência, traição e a promessa sedutora de poder disfarçada de libertação. Que não apenas na insaciável sede de sangue, como é apanágio dos bons e velhos vampiros.

Quando julgávamos ter já visto de tudo com vampiros no cinema, eis que surge Ryan Coogler a dizer-nos que, afinal, talvez não seja bem assim. Com “Pecadores”, o cineasta funde drama de época, horror sobrenatural e crónica social, numa manifestação de enorme lirismo que vai para lá dos créditos finais. O facto de Coogler ser capaz de conciliar todos estes temas com tanta acção e tensão mostra os seus pontos fortes não apenas como realizador, mas também como alguém capaz de desenvolver uma sólida narrativa, profundamente sintonizado com os ritmos da história e do mito negro americano. Ambientado em 1932, no coração fumegante do Delta do Mississippi, o filme é um testemunho da qualidade e capacidade de Coogler em contar uma história e uma montra para um trio de atuações inesquecíveis — Michael B. Jordan num duplo papel impactante, Hailee Steinfeld carismática e cativante e Miles Caton numa estreia com o pé direito.

Visualmente, “Pecadores” é um filme hipnótico. A cinematografia de Autumn Durald Arkapaw banha o Delta com um calor dourado opressivo durante o dia e preenche-o de sombras frias e assombradas à noite. A câmara demora-se nos corpos suados, no fumo que se ergue do chão ou nas manchas na madeira, evocando um mundo tão táctil quanto mítico. A sublinhar um verdadeiro campo de batalha, a música assume um papel preponderante, mistura de gospel, blues e experimentalismo, a sublinhar o choque entre o humano e o incorpóreo. Por outro lado “Pecadores” é igualmente um bem-sucedido filme de terror, não porque viva do susto sempre à espreita, mas pela atmosfera densa em torno daqueles que são arregimentados para o lado do mal. Há uma perversa inteligência em como Coogler usa o vampirismo não apenas como uma metáfora, mas como uma ferramenta para questionar relações de poder, sedução e sobrevivência. Não isento de imperfeições - a estrutura lenta não joga a favor de quem espera carradas de emoção de um filme de terror -, “Pecadores” tem a seu favor uma estética que não desdenha o gótico, a denúncia do racismo e uma banda sonora incrível. Um filme para amantes do género, mas não só.

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