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quinta-feira, 27 de março de 2025

EXPOSIÇÃO DE PINTURA E DESENHO: "Peregrinação" | Graça Morais



EXPOSIÇÃO DE PINTURA E DESENHO: “Peregrinação”,
de Graça Morais
Curadoria | António Meireles
Casa-Museu Teixeira Lopes | Galerias Diogo de Macedo
01 Mar > 01 Jun 2025


Graça Morais é uma pintora prodigiosa. Reconhece-se ao conjunto da sua obra o carácter universal e humanista dos grandes criadores, no percurso que iniciou há cinquenta anos. Este percurso cumpre-se como uma peregrinação, em que caminho e caminhante se fundem nos significados gerados e sobretudo, nas inquietações e questões desencadeadas, e nas quais, como cidadãos com espírito crítico e criativo, nos (re)conhecemos. Que exposição é esta que se abre a cada visitante que a percorra? A “Peregrinação” do título não é palavra vã e oferece-se como eixo que estrutura a selecção das obras e o desenho de uma exposição que percorre etapas significativas da vida e obra de Graça Morais. Aqui se encontram obras marcantes que se assumem como marca identitária da artista, pela visibilidade, destaque e materialização de séries temáticas ou áreas de intervenção, mas também obras com pouca exposição pública, porque seguiram outros rumos de menor visibilidade, mas que não deixam de ser, igualmente, marcantes. Umas e outras mostram a enorme capacidade de criação da pintora, rejeitando qualquer receituário de fácil produção e recepção, em favor da integridade do que encontra a ser pintado, como da própria pintura, e do que, ultrapassada a camada superficial, é mais profundo e verdadeiro.

Relacionando-se intimamente com o espaço de exposições da Casa-Museu Teixeira Lopes | Galerias Diogo de Macedo, nas suas três salas e dois andares, abre-se um percurso que tem início na Sala Aureliano Lima. Com obras que se centram nas séries “A Caminhada do Medo” e “As Sombras do Medo”, fortes nos temas que abordam, assim como na expressão do pastel seco com cores saturadas, tem destaque a obra “A Guerra”, de 2003. Graça Morais pinta os inevitáveis resultados de conflitos e guerras, que, independentemente dos campos beligerantes nos muitos espaços e tempos em que têm ocorrido, infligem os maiores danos nas franjas mais frágeis das populações, invariavelmente mulheres, crianças e idosos. Através da estreita escada, acede cada visitante com moderado esforço físico ao piso superior, à Sala Branca. Esta ascensão acompanha um percurso das obras, que dos conflitos e guerras de âmbito mundial e suas consequências das obras do piso inferior, nos traz para o contexto de território de montanha e para a construção das comunidades, sempre em diálogo com o mundo global, que parecendo-nos exterior e distante, tem na obra de Graça Morais importante reflexão sobre as conexões estabelecidas com os mundos locais. É desta conexão exemplo a pintura que abre este espaço, intitulada “20 de Janeiro de 2017”, data da tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América no que foi o seu primeiro mandato.

A Sala Branca compreende importantes etapas da peregrinação-percurso que a artista nos oferece. As paisagens transmontanas, que nas obras de Graça Morais tantas vezes se materializam nos rostos e corpos de quem as trabalha numa atividade rural que ainda é centro da vida deste território, surgem fortes, maciças e assumindo a sua condição de personagens em histórias que constroem o património e identidade das comunidades. A Sala Negra, que sendo escura de luz e cor, é noite profunda no interior do nosso ser, oferece um olhar perscrutante para o interior de cada visitante. As obras expostas nesta sala são sobretudo desenhos, de construção e expressão directas, com uma crueza que não é chocante, mas tocante, porque removendo metaforicamente a camada da carne, entre fundo na estrutura do ser. A obra “Jorge III”, belíssima pintura de técnica mista com tratamento formal e cromático tão sumário quanto completo e expressivo, aborda uma situação de bullying que se verificava na aldeia da pintora, que condoendo-se da situação, agiu, tanto no sentido do seu fim, como assegurando-se da saúde e bem-estar de quem não tinha possibilidade de os ter. São obras fortes as expostas. Não hesitando abordar temas que são difíceis, partilham inquietações e questões fundas que (co)movem Graça Morais e que tocam o nosso mais íntimo, fazendo, através desta exposição, na nossa própria peregrinação, abrirem-se campos de significação e de acção que conferem uma maior importância a cada novo dia.

[Escrito a partir da Folha de Sala da exposição]

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