Páginas

segunda-feira, 24 de março de 2025

CONCERTO: "Divinas Perlinas" | Musurgia Ensemble & Coro CásterAntiqua



CONCERTO: “Divinas Perlinas”
Musurgia Ensemble & Coro CásterAntiqua
Direcção musical | Jorge Luís Castro
Apresentação | Ana Isabel Nistal Freijo
Com | João Francisco Távora (flauta de bisel e direção artística), Pedro Martins (guitarra barroca), Helder Sousa (cravo e direção artística)
CásterAntiqua - Festival de Música Antiga de Ovar
Capela de Santo António
23 Mar 2025 | dom | 16:00


“Que idade
tem o rio?
Sua infância flui sempre menimesma
sua voz permanece azul,
água aberta, alçapão por onde o tempo perde a voz
e o imenso se faz imerso.”
Mia Couto, in “Raíz de Orvalho e Outros Poemas”

Um sonho cuja matéria se confunde com as águas de um rio. Uma vontade antiga que retira do Cáster a sua imagem e o seu modelo. Assim foi pensado e gerado o CásterAntiqua, assim viu a luz do dia o primeiro Festival de Música Antiga de Ovar. Com um programa distribuído por actividades formativas, visitas guiadas ao património religioso de Ovar, sete concertos em outros tantos dias e o trabalho comunitário que redundou na criação do Coro CásterAntiqua, o Festival revelou-se uma extraordinária surpresa, tanto pela variedade e qualidade das propostas, quanto pelo próprio desenho, a sua atenção ao detalhe, o seu empenho na criação de novos públicos através da beleza e riqueza do universo da Música Antiga. Está de parabéns o Musurgia - Associação Cultural e, muito em particular, Hélder Sousa e João Francisco Távora, directores artísticos do Festival, pela forma como souberam conduzir esta viagem de celebração da Música Antiga. Parabéns extensivos a toda a equipa que com eles colaborou e à Câmara Municipal de Ovar, parceira nesta aventura inicial e, estou certo, nas edições que se seguirão, certos do potencial da iniciativa e da sua inequívoca qualidade e excelência.

Mas é do Coro CásterAntiqua que gostaria de falar, já que foi com ele e com o Musurgia Ensemble que chegou ao fim o CásterAntiqua, num concerto intitulado “Divinas Perlinas” e que teve lugar na tarde de ontem, na sobrelotada Capela de Santo António. Foi o culminar de um trabalho desenvolvido no Museu Escolar Oliveira Lopes e que, ao longo de quatro sessões de três horas cada, reuniu cerca de três dezenas de elementos. Sob a orientação de Jorge Luís Castro, os coralistas mergulharam nos vilancicos devocionais de Gaspar Fernandes, dando-lhes vida através de uma rica e harmoniosa combinação de vozes. Abro aqui uma nota de carácter pessoal para referir, enquanto membro do coro, que se tratou de uma experiência fantástica, em primeiro lugar pela entrega e entusiasmo, paciência infinita e enorme conhecimento de Jorge Luís Castro, elevando o coro a patamares de grande qualidade. Mas também pelos momentos de cumplicidade e partilha com os demais companheiros de aventura, todos eles conhecedores, empenhados, dedicados e possuidores de vozes maravilhosas, e cujas contribuições foram determinantes para o bem sucedido resultado final.

Com as atenções viradas para Gaspar Fernandes, compositor português (?) activo na Guatemala e no México entre os finais do século XVI e primeiro quartel do século XVII, o programa integrou ainda peças de um conjunto de outros compositores, nomeadamente Diego Ortiz, Giovanni Paolo Cima e Andrea Falconiero. A viagem entre as duas margens do Atlântico fez-se, desta vez, ao sabor da língua: De um lado o português, o castelhano e o biscayno; do outro o mestiço, o índio e o Nahuatl (idioma asteca à época da conquista espanhola e falado ainda hoje por cerca de um milhão e meio de pessoas na região central do México). Com a parte instrumental a cargo de João Francisco Távora, Hélder Sousa e Pedro Martins, o concerto teve no coro o seu elemento de maior relevância, ficando demonstrado o poder alquímico de Jorge Luís Castro em juntar vozes e fazer magia. A ele se deveu a confiança e disponibilidade evidenciada pelos coralistas em “Negrinho tiray vos”, “As divinas perlinas” e “Mi niño dulce y sagrado”, peças de enorme riqueza melódica e rítmica e de uma harmonia sublime que tanto encantaram o público. Caído o pano sobre o evento, ficam momentos únicos de fruição da boa música e uma enorme vontade de podermos assistir à concretização de uma nova edição, já em 2026. As coisas boas não se podem perder e esta é daquelas coisas realmente muito boas.

Sem comentários:

Enviar um comentário