TEATRO: “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”,
de Edward Albee
Encenação | Simão do Vale Africano
Cenografia | Nuno Carinhas
Figurinos | Bernardo Monteiro
Música original | Daniel Martinho
Interpretação | João Reis, Anabela Moreira, Daniel Silva, Joana Africano
Produção | Subcutâneo - Teatro Hialurónico
160 Minutos (com intervalo) | Maiores de 14 Anos
Teatro Nacional São João
16 Fev 2025 | dom | 16:00
Experiência estranha esta, a de regressar a “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” e encontrar na peça uma força e uma intensidade que não tinha apreendido antes, nomeadamente na versão de João Perry, com Alexandra Lencastre e Diogo Infante nos principais papéis. Uma nova peça a convocar um novo olhar sobre uma peculiar situação de crise conjugal, sim, mas um olhar modelado pelo que, no palco, os actores entregam de si e que é avassalador. A peça, já o sabemos, é uma forma muito original - e abominável - de chamar ao palco a relação de um casal. Não há troca de palavras que resista ao crivo da humilhação moral e da tortura psicológica, a sua intensidade a aumentar à medida que o tempo passa e cresce o nível de álcool no sangue. Um quadro de crise profunda e que se arrasta há uma eternidade, dadas as insinuações e outras regras que parecem ainda existir neste jogo de massacre. Na sua insistência, na sua duração, na sua brutalidade, a peça torna palpável o quadro doentio em que as personagens se movem, mostrando de forma clara e tangível a loucura que as afecta.
Quando as grandes linhas da narrativa são conhecidos de antemão, tal como as causas das injúrias e afrontas e o modo violento como se instalam, há uma natural tendência para que o foco se afaste ligeiramente do essencial. Nesta linha, dois aspectos impressionaram-me profundamente e que não terei valorizado anteriormente, talvez porque não se mostrassem com esta intensidade. Por um lado, a quantidade de álcool ingerida, que vai toldando as mentes, libertando-as de juízos críticos e fazendo vir ao de cima uma total desinibição. Por outro, a violência implacável das trocas de palavras entre Anabela Moreira e João Reis, incessantes, aceradas, mordazes e que atingem o paroxismo em vários momentos da peça. Estes dois aspectos, o álcool e sobretudo a agressão moral, no seu carácter intenso e repetitivo, estão no centro de uma experiência dramática e particularmente violenta. Marido e mulher desdobram cada frase em golpes contundentes e estendem o calvário da sua relação ao casal que os acompanha numa madrugada insana. Os espectadores não escapam à carnificina, o que transforma o visionamento da peça num exercício doloroso, quase insuportável.
Na sua página pessoal [AQUI], o encenador Simão do Vale Africano diz que “(…) o melhor que eu poderia oferecer a um qualquer público seria uma qualquer reflexão sobre a condição humana, mais do que sobre a sua condição político-sócio-económica”. Uma pequenina frase que funciona como uma verdadeira carta de intenções e que se amplia infinitamente perante um exercício de teatro tão visceralmente cru como aquele que estreou no Teatro Nacional de São João. Voltamos a olhar o casal anfitrião e a estabelecer um paralelismo com o casal mais novo, interpretado por Joana Africano e Daniel Silva. Aqui, também, a experiência não é menos insuportável, a relação igualmente impregnada com tanto de amor quanto de ódio e baseada em mentiras que não conseguem esconder as mais terríveis cicatrizes. Nestas condições, o casamento assemelha-se a uma clínica psiquiátrica, fonte dos piores males e palco das mais assassinas psicoterapias. O jovem casal convidado, feito refém, acabará desintegrado pela explosão. E nós, espectadores, será que saímos ilesos disto tudo?
[Foto: João Tuna, Joana Africano | tnsj.pt]
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