CINEMA: “A Rapariga da Agulha” / “Pigen med nålen”
Realização | Magnus von Horn
Argumento | Line Langebek Knudsen, Magnus von Horn
Fotografia | Michal Dymek
Montagem | Agnieszka Glinska
Interpretação | Vic Carmen Sonne, Trine Dyrholm, Besir Zeciri, Ava Knox Martin, Joachim Fjelstrup, Tessa Hoder, Ari Alexander, Per Thiim Thim, Søren Sætter-Lassen, Dan Jakobsen, Anna Tulestedt, Thomas Kirk, Benedikte Hansen, Agnieszka Przyborowska-Mitrosz
Produção | Malene Blenkov, Mariusz Wlodarski
Dinamarca, Polónia, Suécia | 2024 | Drama | 123 Minutos | Maiores de 14 Anos
UCI Arrábida 20 – Sala 5
17 Fev 2025 | seg | 15:00
Como centenas de outras jovens mulheres, Karoline trabalha numa fábrica de texteis onde enfrenta um quotidiano de enorme dureza, condições hostis e um capataz intransigente. Estamos em Copenhague, em 1919, e a sombra macabra e as privações da Primeira Guerra Mundial pairam ainda sobre a Europa e penalizam fortemente a Dinamarca, apesar da sua neutralidade. Como muitos dinamarqueses, o marido de Karoline foi forçado a juntar-se ao Exército Imperial Alemão, e ainda não regressou da guerra, tornando ainda mais precário o dia-a-dia da mulher. Grávida do dono da fábrica, é incentivada a ter o filho e acaba por se tornar ama-de-leite, em conluio com Dagmar, uma espécie de administradora de uma agência de adopção clandestina dedicada a auxiliar mulheres pobres em busca de um lar para as suas crianças indesejadas. Karoline pode ter, enfim, condições de vida digna, apesar da estranheza que lhe causa o novo ambiente em que se vê mergulhada. É então que vem a a descobrir que, por detrás do seu trabalho, se abriga um terrível segredo.
O caso real de Dagmar Overby, que recebeu dinheiro de mães que deram os seus filhos para adoção, para depois os matar, é particularmente conhecido na Dinamarca. Mostrar a assassina em série mais famosa do país na perspectiva de outra mulher é um dos pontos fortes do filme, ao qual se soma a interpretação de Vic Carmen Sonne e Trine Dyrholm, nos papéis de Karoline e Dagmar, respectivamente, representando de forma magistral o relacionamento desesperado e literalmente tóxico entre as duas mulheres. Desenvolvendo-se num preto e branco altamente contrastado, em interiores claustrofóbicos e ruas lamacentas – o diretor de fotografia Michal Dymek faz um óptimo trabalho, juntamente com a cenógrafa Jagna Dobesz –, esta é uma história de terror absoluto, cujas características remetem para o cinema de Murnau, Tod Browning e Fritz Lang (Lars von Trier e David Lynch parecem também pairar por aqui). A paisagem sonora, ecoante e plangente, e os efeitos especiais que dão a ver o lado mais sinistro da natureza humana, adensam os ambientes de morte e destruição que evocam o conflito bélico recente.
Como bem se compreenderá, “A Rapariga da Agulha” está longe de ser uma experiência cinematográfica agradável. Obviamente, nada disto tem a ver com a produção do filme em si, mas com o pesadelo constante em que o espectador se vê mergulhado. De certa forma, a mistura de naturalismo e expressionismo do filme acaba por funcionar, apesar dos dois estilos serem claramente opostos. Talvez porque o expressionismo alemão depende de exageros e distorções da realidade, ao encontro das circunstâncias aterradoras do período retratado. “A Rapariga da Agulha” é um filme desconfortável, não porque as imagens assombrosas e intensificadas provoquem calafrios no espectador, mas porque não conseguem esconder o facto de que os eventos narrados ocorreram na realidade. Olhando para o momento actual, a inquietação adensa-se já que problemas de mulheres grávidas que não têm dinheiro para cuidar dos seus bebés não se alteraram muito nestes mais de cem anos que nos separam dos acontecimentos. Um belo filme, a pedir essa ligação entre passado e presente e a merecer toda a nossa atenção.
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