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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Lendo na Rua"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Lendo na Rua”,
de Javi Calvo
iNstantes - Propostas Fotográficas #103
Ponto do Livro - Centro de Reabilitação do Norte
14 Fev > 28 Mar 2025


Um estudo realizado para a Fundação Calouste Gulbenkian, em 2021, concluiu que 61% dos portugueses não leu qualquer livro. “É um número que nos deve envergonhar a todos”, disse então Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e recentemente falecido. À semelhança dos livros, também a paisagem mediática se revela particularmente preocupante, em especial no que à imprensa diz respeito, com recuos anuais nas vendas em banca na ordem dos dois dígitos desde 2022. Mais grave ainda é o facto de os esforços desenvolvidos por vários títulos para angariarem assinaturas pagas na versão digital não servirem para compensar a diminuição da circulação impressa. Prossegue, assim, o definhamento de livros, jornais e revistas, aprofundando uma crise que se avolumou com a pandemia, devido a restrições várias, mas também porque induziu novos hábitos de leitura, de informação e, até, de trabalho que, inevitavelmente, teriam de influenciar o seu consumo. Talvez por isso, uma exposição como a de Javi Calvo, “Lendo na Rua”, seja tão importante: pelas histórias que conta, pelas memórias que convoca, pelo prazer que reconhecemos no simples folhear de um livro ou de um jornal. Um prazer do qual estamos a abdicar muito rapidamente e que, todavia, se mantém ao alcance da mão. À distância de um clique.

Conjunto de treze fotografias num preto e branco depurado, “Lendo na Rua” tem a particularidade de ocupar neste momento as paredes do Ponto do Livro, a recém-inaugurada biblioteca do Centro de Reabilitação do Norte. Num espaço onde é patente o amor aos livros e à leitura, as imagens estabelecem um diálogo intenso e vibrante com o vasto espólio da biblioteca, estendendo-o muito para lá das paredes do Centro. À semelhança dos livros, onde é evidente a força com que nos enlaçam e os caminhos do sonho e da magia que nos fazem tomar, também as imagens resultam numa forma de libertação, estimulando o olhar e a memória, num convite a que façamos corresponder cada lugar, cada gesto, cada expressão captada pelo artista a momentos que nos possam ser queridos. É nesse exercício, onde se cruzam prazer e nostalgia, impulso e fruição, que damos por nós a reviver histórias íntimas, nas quais cabe um banco solitário num imenso relvado ou uma toalha estendida na praia, uma conversa acesa sobre uma personagem de Agustina ou os versos de um poema numa carta de amor, os tostões contados para comprar o jornal ou o capítulo daquele livro que não mais esqueceremos.

De Ávila a Salamanca, de Lisboa ou do Porto a Madrid, Javi Calvo vem captando uma parte importante da essência do quotidiano, num trabalho documental de enorme interesse e relevância. O que podemos apreciar nesta exposição que agora se inaugura é uma ínfima parte das mais de 1.500 imagens que integram um projecto iniciado em 2010 e que se mantém vivo, no qual se inclui a edição de um livro contendo quatro dezenas de imagens, das mais significativas. A par de uma vertente eminentemente sociológica, destacam-se na fotografia o engenho e arte de Javi Calvo que, sem filtros nem truques, retrata as pessoas sem as beliscar na sua autenticidade, nos rostos a expressão do poder da leitura, ora fonte de prazer e diversão, ora de apreensão ou angústia. “Para onde vamos naquilo que lemos”, apetece perguntar, certos de que a leitura tem esse poder de fazer de nós pessoas mais cultas e atentas, mas conscientes do mundo que nos rodeia e mais capazes de formular juízos, não deixando aos outros a tarefa de o fazerem por nós. No Ponto do Livro, o “casamento” entre literatura e fotografia não poderia ser mais feliz.

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