LUGARES: Igreja do Sagrado Coração de Jesus
Rua Camilo Castelo Branco, 4 - Lisboa
Horários | De segunda a sexta-feira, das 09h00 às 19h30; domingos, das 11h00 às 12h00; encerra aos sábados
“A uma igreja que arquitetonicamente se abre para a cidade parece legítimo propor que a cidade se introduza no seu organismo.”
Pedro Vieira de Almeida, revista Arquitectura
Se há um ano atrás me dissessem que estaria hoje a falar da Igreja do Sagrado Coração de Jesus e a mencioná-la como “absolutamente a visitar” nas páginas do blogue, certamente torceria o nariz. Foi Valdemar Cruz e o seu extraordinário “Paisagens Construídas - O passado e o presente da arquitetura portuguesa em 16+1 obras”, edição de autor de Novembro de 2023, que me “iluminou o caminho” para a Igreja. Encontrei-a no espaço de um bairro como que despojada, quase anónima, despida da habitual iconografia, “pobre entre os pobres”. No seu descuidado caminhar, creio que poucos serão aqueles que, de passagem por esta parte da cidade, percebam estar perante um templo católico, tão pouco chamativa ela se mostra, à excepção de um discreto carrilhão, não facilmente avistável. Na vasta nave deparei-me com um espaço de culto totalmente vazio numa dimensão acolhedora, a luz exterior a jorrar de dois altos janelões e a preencher o espaço de cambiantes de cor inesperados, os pormenores arquitectónicos a convocar atenção e espanto, o cunho brutalista na verdade dos materiais construtivos a impor-se no conjunto da obra como metáfora da condição humana, as vigas de betão e o tijolo sem nada que os cubra.
Obra dos arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, a Igreja abriu ao culto em 1970. Localizada numa zona central de Lisboa, funde-se com a cidade e faz com que esta se dilua nos meandros do templo ao criar espaços públicos de acesso e de ligação entre as ruas circundantes, o que surgia como uma contestação ao esquema tradicional de concepção de igrejas, “fazendo desaparecer o objecto arquitectónico enquanto elemento isolado”, conforme descrito pelo júri do concurso que viria a atribuir aos dois arquitectos a responsabilidade de erguer o projecto, num concurso que avaliou catorze trabalhos, envolvendo um total de sessenta e seis arquitectos. Os jurados notam “a forma inteligente como se faz assentar o santuário sobre uma sucessão de espaços sagrados sobrepostos (câmaras mortuárias e criptas dos altares secundários), caracterizando-os e dando-lhes continuidade por meio do elemento estrutural em que se apoia a laje do santuário, o qual, segundo a intenção histórica expressa na memória descritiva, como que funda directamente no terreno todos os altares’ ”. No seu livro, Valdemar Cruz fala de “um imenso fator de estranheza brotado por aquele corpo desenvolvido em sete pisos, construído ao longo de quase uma década em que o projecto passa por várias alterações”.
Recorro ainda a Valdemar Cruz e àquilo que escreveu sobre “um templo revolucionário num país em ditadura”, referindo que “o alcance e a rutura provocados pelo projeto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus só é compreensível à luz dos múltiplos caminhos de questionamento e reflexão há muito desenvolvidos pelos autores do projeto: os católicos progressistas Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas. O resultado é uma transformadora mudança no contexto da arquitetura religiosa e nos costumes litúrgicos, ao democratizar, não apenas o espaço de culto, como as zonas exteriores de circulação, abertas a todos, seja qual for o seu credo.” É emocionante perceber os contornos políticos, sociais e religiosos que envolvem toda a história do projecto e construção do templo, e onde cabem, nomeadamente, as recomendações do Concílio Vaticano II, concluído no pontificado de Paulo VI, em Dezembro de 1965. É o espírito do Evangelho contido nos preceitos de “Pureza - Verdade - Pobreza - Paz”, assumido como condição para o desenvolvimento de uma arquitectura de inspiração cristã, que norteia o trabalho dos arquitectos. Hoje, como outrora, acredito que a opinião dos crentes não seja consensual, numa igreja pouco magnificente e sem as costumeiras capelas nas naves laterais. Mas a riqueza dos seus significados e o inquestionável valor arquitectónico fazem dele um templo de visita obrigatória. Acrescentarei que a Igreja do Sagrado Coração de Jesus foi Prémio Valmor em 1975 e é Monumento Nacional desde 2010.
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