CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #92
Com | Patrícia Rodrigues, Tânia Dinis e Mário Macedo
Apresentação | Tiago Alves
150 Minutos | Maiores de 14 Anos
Escola de Artes e Ofícios
06 Fev 2025 | qui | 21:30
Fazendo orelhas moucas às “regras da sensatez”, o público Shortcutz Ovar fez questão de voltar, ainda e sempre, “ao lugar onde já foi feliz”. No arranque da 9.ª temporada, foi vê-lo invadir a Escola de Artes e Ofícios com o entusiasmo e animação de sempre, atento, comprometido, participativo, numa sessão com tanto de variedade como de qualidade para oferecer. Grande anfitrião do Shortcutz Ovar, Tiago Alves começou por falar da temporada que agora começa, referindo que se encontram programadas vinte e quatro curtas-metragens, sendo o equilíbrio uma constante em matéria de géneros cinematográficos, com seis primeiras obras, seis documentários e seis filmes de imagem animada. Metade das obras a exibir serão de ficção e metade dos realizadores convidados pisará pela primeira vez o chão da belíssima Sala Expande. “Quebrar com a normatividade das narrativas” foi outro dos princípios que presidiu à selecção das obras, prometida que está uma temporada “desafiadora, surpreendente e estimulante”. Refira-se, ainda, que Laura Rui e Leandro Ribeiro se irão manter no júri do certame, o qual integrará este ano a realizadora e actriz Ágata de Pinho, em substituição de Ana Vilaça.
Como vem sendo hábito, foi um filme de imagem animada a dar o pontapé de saída neste ano de curtas que agora começa, com a exibição de “Três Virgula Catorze”, conceito que se reparte entre o território da palavra e dos números e cujo valor aproximado - 3,1416 - “todos conhecem, mas ninguém sabe o que fazer com ele”. Com realização de Joana Nogueira e Patrícia Rodrigues, o filme reflecte sobre a condição de crianças diagnosticadas com perturbação de hiperactividade e défice de atenção e que lutam contra a sua própria visão do mundo e com o que esperam delas. Com um forte cunho documental, sobretudo no que encerra de investigação e pesquisa, o filme constitui um importante ponto de partida para o debate sobre crianças com este tipo de distúrbio, nomeadamente em contexto escolar. Combinando o desenho 2D com o stop-motion, essa forma magnífica de “falar com as mãos”, o filme revela-se primoroso na sua componente técnica, num colorido vibrante e objectos expressivos. Mas é nas questões que convoca que reside o seu maior valor, colocando o dedo nas feridas da sobremedicação e da “normalização” à força de químicos, das repercussões comportamentais no futuro destas crianças, na forma como a escola as discrimina e reprime, em vez de as proteger e integrar.
De “filhas dos homens que nunca foram meninas”, nos fala “Tão pequeninas, tinham o ar de serem já crescidas”, a segunda obra da noite. Com realização de Tânia Dinis, o filme fala das mulheres que, provenientes, sobretudo, das regiões de Trás-os-Montes, Minho e Beira Alta, vieram para o Porto ainda meninas, trabalhar como criadas de servir. De crianças a cuidar de crianças nos fala um filme que combina o tratamento ficcional e documental, e parte do arquivo fotográfico e de imagens reais e do testemunho tal de várias mulheres que sofreram esta condição. Nesta visão das “Marias” e “burras de carga”, a realizadora rende homenagem a vidas que contam, fazendo questão de dar voz a quem nunca a teve na sua aspiração por um trabalho digno e um salário justo, por educação, habitação, respeito pelo tempo livre, direito a constituir família. Tânia Dinis, porém, vai mais longe e, num anúncio de jornal que é lido em “off”, lembra que a discriminação e o preconceito permanecem portas adentro, hoje com mulheres do Leste, do Brasil ou de outros países da América Latina. Um filme fundamental, que reuniu a maior fatia de consenso entre as obras exibidas e é, desde já, o primeiro finalista ao Prémio do Público da temporada.
Os ambientes da infância voltam a servir de pano de fundo ao filme que encerrou a sessão. “That’s How I Love You”, ficção de Mário Macedo rodada na Croácia, leva-nos ao encontro de uma ruralidade que nos parece familiar, e de Viktor, uma criança de férias em casa dos avós. Através do seu olhar de menino, o espectador mergulha nas próprias memórias, percebendo o esbater de diferenças culturais, sociais e geográficas e a forma como as diversas narrativas confluem para o lugar-comum da infância, domínio de aventuras, emoções, assombros, medos e violência, e onde pequenos dramas e pequenas conquistas se misturam e confundem. As histórias assustadoras contadas à mesa, um passeio de mãos dadas com o avô, uma canja de galinha, um pássaro na mira de uma flóber ou o primeiro cigarro, são marcas que perduram e ainda nos fazem sorrir. Destaque para a forma como Mário Macedo conduz esta ficção - e que lhe valeu o Grande Prémio Competição Internacional do Curtas Vila do Conde -, fazendo-a assentar num menino de oito anos, Viktor Fabiančić, tocante de expressividade, surpreendente de carisma.
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