CINEMA: “A Semente do Figo Sagrado” / “Dâne-ye anjîr-e ma'âbed”
Realização | Mohammad Rasoulof
Argumento | Mohammad Rasoulof
Fotografia | Pooyan Aghababaei
Montagem | Andrew Bird
Interpretação | Soheila Golestani, Missagh Zareh, Setareh Maleki, Mahsa Rostami, Niousha Akhshi, Reza Akhlaghirad, Shiva Ordooie, Amineh Mazrouie Arani, Mohammad Kamal Alavi, Parisa Mohyedini, Barat Azimi
Produção | Rozita Hendijanian, Mohammad Rasoulof, Amin Sadraei, Jean-Christophe Simon, Mani Tilgner
Irão, França, Alemanha | 2024 | Drama, Thriller, Crime | 167 Minutos | Maiores de 14 Anos
UCI Arrábida 20 - Sala 5
07 Fev 2025 | sex | 13:10
Enquanto o cineasta dissidente Mohammad Rasoulof se encontrava detido numa prisão iraniana, o mundo do lado de fora daquelas paredes vivia momentos tumultuosos. O movimento “Mulher, Vida, Liberdade” exibia furiosamente a sua revolta contra as regras obrigatórias do uso do hijab, acabando por se tornar rapidamente num veículo para uma variedade de insatisfações a ferver dentro do Irão. Depois de ser libertado, Rasoulof sabia que tinha de abraçar a causa e responder à mobilização dos cidadãos pela liberdade, e a sua contribuição para esse esforço foi a realização de um novo filme. Numa sociedade submetida à lei dos ayatollahs, não foi fácil reunir o elenco e a equipa que correspondessem à vontade do realizador e que se mostrassem dispostos a assumir os riscos de um projecto deste tipo. A verdade é que, contra todas as expectativas, foi possível iludir o sistema de censura e, no final, a coragem da equipa foi a força motriz que permitiu levar a cabo “A Semente do Figo Sagrado”, um filme que capta o risco de lutar contra um estado securitário e fortemente repressivo e a esperança de mudanças significativas rumo à liberdade e à democracia.
Dispensando arquétipos, “A Semente do Figo Sagrado” dá a ver os macro-conflitos que envolvem a sociedade iraniana através da micro-unidade de uma família. Iman dedica-se à magistratura no Tribunal Revolucionário Islâmico ao ponto de lhe ser atribuída uma arma para sua protecção. Mas, quando a arma desaparece, a sua paranóia crescente leva-o a suspeitar que as mulheres da sua família estão por detrás do desaparecimento. Dado que o realizador situa a acção no contexto dos protestos, as assertivas filhas adolescentes de Iman, Rezvan e Sana, despertam as maiores suspeitas. Mas a sua esposa, Najmeh, dividida entre a obediência e um desejo crescente de independência, não escapa à suspeita de conspirar para minar a sua autoridade. O filme mostra que o actual regime iraniano só se mantém no poder através da repressão que exerce sobre o seu próprio povo. A arma aqui é uma metáfora da violência da ditadura e, além disso, a única alternativa para as mulheres reivindicarem a sua liberdade (a arma das mulheres oprimidas é, com efeito, a sua força de vontade de resistir até ao fim, como a figueira que, simbolicamente, envolve os ramos da árvore).
Entre o thriller e o drama, a dinâmica desta família é utilizada por Rasoulof para delinear, na sua síntese discursiva, um comentário sociopolítico sobre as injustiças e as consequências da violência contra as mulheres, compreendido a partir da perspectiva de um burocrata doutrinado que reprime as sensibilidades feministas da sua mulher e das suas duas filhas na defesa irracional da ética doutrinária do radicalismo islâmico que governa a sociedade iraniana com mão de ferro. Enquanto mulheres que lutam contra a dominação patriarcal, as actrizes têm interpretações brilhantes na sua verdade e consistência. É igualmente credível a prestação de Missagh Zareh, no papel de pai autoritário, que cai no abismo ao adoptar medidas draconianas contra as únicas mulheres da sua família. A encenação dos espaços herméticos é notável, como notáveis são a iluminação natural, a música envolvente e a abordagem documental dos protestos sangrentos nas ruas de Teerão, através do recurso a imagens reais captadas com telemóveis. Urgente e necessário, este é um filme intenso, que denuncia a grave situação do Irão através do olhar de uma família desfeita.
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