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domingo, 16 de fevereiro de 2025

CINEMA: "Azul"



CINEMA: “Azul”
Realização | Ágata de Pinho
Argumento | Ágata de Pinho
Fotografia | Leonor Teles
Montagem | Ágata de Pinho, Alexander David, Tiago Siopa
Interpretação | Ágata de Pinho, Diana Sá, Maria Gil, Maria Alice de Pinho, Íris -
Produção | Ágata de Pinho, Filipa Reis
Portugal | 2022 | Drama | 20 Minutos | Maiores de 12 Anos
Auditório Correia de Campos, Centro de Reabilitação do Norte
13 Fev 2025 | qui | 17:30


Desde 2020 que acompanho com regularidade as sessões de curtas-metragens do Shortcutz Ovar. Através delas, tenho tido o privilégio de ver algum do melhor cinema que se faz em Portugal e de aprender com os muitos agentes ligados ao mundo da sétima arte, entre realizadores, directores de fotografia, argumentistas, editores, produtores, directores de arte e intérpretes, entre outros. Tem sido uma viagem com tanto de convívio e diversão, como de enriquecimento de conhecimentos, que procuro verter nas páginas do blogue com a expressão do meu sentir. Quem já leu essas crónicas muito particulares, sabe que eu “ofereço” um parágrafo a cada filme, sendo justamente a este ponto que eu quero chegar. Dos mais de cem filmes que vi ao longo das últimas temporadas, houve um que, pela primeira vez, me fez ver que um parágrafo seria muito pouco, tanto pela qualidade intrínseca enquanto objecto artístico, quanto pelo turbilhão de emoções que em mim despertou. É de “Azul” que falo, curta-metragem de ficção escrita, realizada e interpretada por Ágata de Pinho, uma primeira obra na carreira da realizadora, centrada em parte no Centro de Reabilitação do Norte, assim como no vasto mar que se abre à sua frente. O mesmo “Azul” a quem se destino tudo aquilo que já disse e o mais que irei dizer.

Diria que foi fácil articular com Ágata de Pinho a exibição do filme no Centro de Reabilitação do Norte e foi mais fácil ainda falar dele a uma plateia atenta e interessada, na qual pessoas com perturbações físicas a muitos níveis, acompanhadas de familiares e amigos, se mostraram em franca maioria. No conjunto de mais de vinte locais onde já foi exibida, esta sessão revelou-se “muito especial”, de acordo com a realizadora, até porque o filme aborda, directamente ou de forma subliminar, processos ligados à doença e à recuperação, tão significativos para todos os presentes. Uma cicatriz que parece querer abrir-se, uns olhos enormes e sempre vivos, um mar e um céu muito azuis, uma ecografia como prova material de um ser cujo coração já palpita, a relação íntima dos vários elementos naturais, um mar cujas ondas enrolam para dentro ou um combóio em marcha invertida, foram apontamentos que o público referiu como tendo chamado a sua atenção e que serviram de tema de conversa para uma abordagem mais consistente à história de uma jovem mulher que acredita que vai desaparecer no dia em que fizer 28 anos. São os instantes que faltam para que o dia aconteça que preenchem o filme, conferindo-lhe uma nota de angústia, mas que acabará por ter um final a todos os níveis feliz.

Lembro-me de ter visto o filme numa primeira vez, no início do Verão de 2023, e de ter sido invadido por uma nota de estranheza (isto antes de ver o genérico final e de perceber a familiaridade de tudo aquilo). Numa segunda visão - a propósito da conquista do prémio para Melhor Primeira Obra da 7.ª temporada do Shortcutz Ovar -, o meu olhar terá privilegiado o primor da interpretação e da fotografia (de Leonor Teles), bem como as eventuais influências de grandes nomes do cinema, nomeadamente David Cronenberg e David Lynch. Vê-lo agora, neste contexto, foi realmente único, pelo que o filme tem para oferecer de reflexão sobre a doença e a incapacidade. Podemos invocar a magia do cinema em múltiplas sequências do filme, mas não podemos falar de trabalho de caracterização, por exemplo, numa cicatriz que se estende ao longo das costas da protagonista. Lidar com memórias traumáticas e particularmente dolorosas, fazendo do cinema objecto catártico, um meio de exorcizar fantasmas e aprender a viver com as transformações que se impõem ao nosso próprio corpo e a aceitá-las,  foi a melhor mensagem que se poderia passar a quem enfrenta um quotidiano de desafios e superação. Um momento de cinema essencial, assente num trabalho de rara sensibilidade e alcance de Ágata de Pinho, ao qual ninguém ficou indiferente.

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