TEATRO: “Frágua de Amor”,
de Gil Vicente
Encenação | António Augusto Barros
Tradução dos versos em castelhano | José Bento
Direcção musical e música original | Hugo Sanches
Cenografia | João Mendes Ribeiro, Luísa Bebiano
Figurinos e adereços | Ana Rosa Assunção
Interpretação | Ana Teresa Santos, Carlos Meireles, Igor Lebreaud, Maria Quintelas, Miguel Magalhães, Mónica Camaño, Nuno Meireles, Ricardo Kalash, Sérgio Ramos
Música | Eunice Abranches D’Aguiar, Irene Brigitte, Patrícia Silveira, Carlos Meireles, Sérgio Ramos, Hugo Sanches, Xurxo Varela, Carlos Sánchez, Rita Rógar
Produção | A Escola da Noite, O Bando de Surunyo
60 Minutos | Maiores de 14 Anos
Teatro Carlos Alberto
17 Jan 2025 | sex | 15:00
As peças de Gil Vicente têm-se constituído presença assídua na programação do Teatro Carlos Alberto, e ainda bem. Pela forma como retratam a sociedade portuguesa, pelo carácter moralizador e satírico, pela sua enorme comicidade e sentido de humor, mas sobretudo pelo seu humanismo, são peças sempre cativantes, divertidas e capazes de oferecer momentos verdadeiramente prazerosos. Assim é com “Frágua de Amor”, tragicomédia representada no desponsório do rei D. João III com a rainha D. Catarina, em Évora, no ano de 1524. Começando por celebrar tão faustoso acontecimento, a peça tem Cupido como principal protagonista. Com a ajuda de quatro robustos ferreiros - Mercúrio, Júpiter, Saturno e o Sol -, Cupido apresenta uma frágua capaz de transformar em realidade os sonhos daqueles que a ela se submetam. O primeiro a experimentá-la é um negro apaixonado por Vénus e que ambiciona tornar-se branco. Segue-se a Justiça, uma velha deformada que pretende alterar a imagem. Finalmente Rodrigo, um frade criticado pela sua falta de vocação e que deseja voltar a ser leigo. A peça termina com uma alegre canção, o que não é de somenos, visto a música assumir lugar de destaque ao longo de toda a representação.
Sabemos que Gil Vicente juntava às suas qualidades de dramaturgo as de compositor. As didascálias que, embora escassas e genéricas, é possível encontrar em algumas das suas peças deixam entender de forma clara que é esse o programa do teatro: finalizar com música. Mas a música no teatro de Gil Vicente está longe de ser confinada ao papel de um elemento de remate. Seja exclusivamente instrumental, seja cantada ou bailada, no elenco das suas peças a música ocupa um lugar de protagonista. “Frágua de Amor” surge nesta linha-charneira do teatro vicentino, surpreendendo pela estranheza de um texto linguisticamente distante, mais do que bilingue, e que precisa da cenografia, dos figurinos, da fala e jogo dos actores para se abrir à compreensão e adesão emocional dos espectadores. Mas, surpresa maior, vai ser justamente a alegria e a sofisticação carreadas pela música, pelos músicos e cantores, e pela sua interacção com as actrizes e os actores, a fazer-nos sentir o arrebatamento de uma acção que faz apelo à transformação, à metamorfose, e que, politicamente, nos diz, ainda hoje, como Gil Vicente apelava já a um urgente “desejo de mudança”.
Encantadora, a peça encenada por António Augusto Barros e que tem em Hugo Sanches o responsável pela parte musical permite-nos apreciar algo de verdadeiramente incomum e que podemos classificar como um musical vicentino. Posta em cena desta forma, com a componente lírica a assumir uma tão grande preponderância, a peça faz jus à ideia de um teatro a ampliar-se e a separar-se dos momos e chacotas, composto agora por monólogos, diálogos, música tocada, cantada e bailada, sagrada e profana, popular ou palaciana, como ensina Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Aliás, muito deste modus faciendi está patente em indicações textuais do dramaturgo, que também foi músico e autor de canções, como é o caso de “Muy graciosa es la doncella” e “El que quisiere apurar-se”, desta mesma tragicomédia, interpretadas com brio pelos elementos d'O Bando de Surunyo, investidos também em actores e pelos actores d'A Escola da Noite, que assumem igualmente o papel de músicos. Tudo aqui é Gil Vicente, mas convenhamos que é um luxo poder assistir a uma peça com tanto encanto e beleza e tão extraordinariamente bem interpretada.
[Excertos do texto construídos a partir da Folha de Sala da peça, a qual pode ser lida na íntegra em https://storage.googleapis.com/assets.tnsj.pt/documents/d29935bd-tnsj_2025-01-13_fragua-de-amor_programa-de-sala_af_web.pdf]
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